Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O sorriso de Myanmar

Myanmar era o país mais desconhecido de nossa volta ao mundo. Ditadura por 48 anos, até 2010, o país ainda espera por uma democracia real já que o poder é dominado pelos militares que constituem o parlamento. Até pouco tempo atrás o tempo máximo de permanência para um estrangeiro era de apenas 5 dias, hoje é de 28 dias, mas a verdade é que nem precisa de tanto tempo assim para ser conquistada por esse lugar.

É um país de características únicas, fruto de seu isolamento durante anos e que ainda não deu tempo de ser influenciado pela cultura ocidental. Homens, mulheres e crianças usam longyi, um pedaço de pano que se transforma em uma saia longa. Trabalham, rezam, jogam futebol, fazem tudo com a saia, é a roupa de todo dia. Eles também pintam o rosto com a thanaka, um pó de uma casca de árvore que serve como cosmético para proteger a pele do sol e também como maquiagem. Mais os homens do que as mulheres mascam uma folha com uma substancia vermelha que deixa a boca dormente e tira a fome, manchando todos os dentes, o que não impede de estarem sempre sorrindo. Tanta coisa diferente para absorver, olhamos para eles com a mesma curiosidade que eles nos olham, estrangeiros de óculos escuros, mochila, maquina fotográfica, bermuda e tênis, itens totalmente desconhecidos em suas realidades.

Passamos 17 dias conhecendo o melhor de cada cidade, entre templos e natureza, a presença da imagem do buda, de pé, sentado, deitado, de ouro, de terra, grande, pequeno, é uma constante, 90% da população é budista. É um país muito pobre que traz todas suas mazelas por consequência. O lixo está por toda a parte, baratas aos montes, o fornecimento de energia elétrica é triste, as estradas são precárias e os transportes... bom, os transportes fizeram parte da nossa diversão por aqui, mas se eu tivesse que pegá-los todos os dias não seriam tão divertidos assim. Mas incrivelmente, acima dessa pobreza existe uma aura de paz que é traduzida no sorriso de cada um. Uma certa ingenuidade com a simplicidade de suas vidas e uma sensação de felicidade o tempo todo. Lindo de se ver.

Chegamos por Yangon, antiga capital, cidade grande, pobre e suja. A primeira impressão assusta e nos faz levantar aquela casca grossa de turista escaldado que quer sair ileso e não levar nenhum golpe. E lá vem um vendedor “chato” com o famoso where are you from? Brazil? Ronaldo, Kaka, Pele, Neymar... e fala de todos os jogadores que um dia jogaram na seleção. E continua falando, e nós continuamos esperando a pegadinha... até que percebemos que ele só quer conversar e oferecer um lugar coberto para nos proteger da chuva, sem cobrar, só pelo prazer da conversa. E sorri... e nós sorrimos juntos, jogando a armadura para bem longe e, ainda um pouco confusos, tentamos entender de onde vem tanta gentileza.

Centro de Yangon, vista da bancada do nosso hotel

A principal atração da cidade é a Pagoda Shwedagon, o centro de peregrinação budista mais importante do país com uma estupa de ouro de quase 100 metros de altura. Realmente impressionante, com muitos locais e monges imersos em seus rituais de reza.

Pagoda Shwedagon

Passamos os dias passeando pela cidade, andando pelos parques, descobrindo os sabores da comida local, nos espremendo nos mercados de rua onde comprei um longyi para entrar na vibe miamesa. Quando eu a vestia só não era confundida como local porque o Lucio estava sempre junto e, pelo que percebi, não é nada comum relacionamento com ocidentais. Mas poderia passar tranquilamente como a guia local dele.

De lá fomos para Bagan de trem noturno, uma viagem fantástica de 20 horas. A cabine tinha 2 beliches sendo que a parte de baixo se transformava em 4 poltronas. Tinha até banheiro exclusivo onde a privada era um buraco que terminava nos trilhos. Começamos o passeio às 16 horas, tempo para nos afastar da cidade e observar a vida simples das inúmeras vilazinhas que encontramos pelo caminho. Por onde passávamos as crianças das vilas acenavam falando hello e bye bye. No começo achei que era outra pegadinha, as mães ensinavam as crianças para comover os turistas e conseguir comida ou dinheiro em troca. Mas conforme o trem ia avançado para o interior, percebemos que todos acenavam, homens, mulheres, idosos. Somente pelo prazer de dar um sorriso. Isso foi tão contagiante que depois de uns dias ficamos viciados nisso, erámos nós que acenávamos primeiro falando minglaba (olá em miames) e esperávamos o sorriso de volta. No trem vimos o pôr do sol, bebemos um whiskinho quando as luzes do vagão se apagaram porque os cabos se soltaram de tanto que o trem pulava, vimos as estrelas, dormimos como crianças, vimos o nascer do sol, pegamos dicas de viagem com o casal espanhol que dividiu a cabine conosco e enfim, chegamos no nosso destino, quase ao meio dia do dia seguinte.  

Cabine do trem noturno

Bagan é um lugar único no mundo, com seus mais de 2.000 templos, ou o que restaram deles, espalhados em uma planície sem fim. Essa região já foi atingida por guerras e até por um terreoto, mas o trabalho de restauração é constante. Passamos 2 dias andando de bike, conhecendo os principais templos e procurando um que pudéssemos chamar de “nosso”.  Quase todos tem um buda, simples, sofisticado, desenhado nas paredes, feito de ouro, feito de terra, não importa. Mas o melhor é subir nos templos e se surpreender com a paisagem lá de cima. O melhor ainda é ver o por do sol do alto de um dos templos, muito bonito.

Bagan vista de cima

Um dos templos de Bagan, para mim mais bonito que a Pagoda Shwedagon de Yangon

No primeiro dia, depois de almoçar, estávamos em busca de uma sombrinha para fugir do calor de 35 graus e paramos em um mini complexo de templos para descansar. Logo de cara demos com outro vendedor “chato” que veio com a mesma ladainha... China? No? Brazil? Ohhh.... Pele, Neymar. Painting? Good price... depois de dar uma dispensada fomos para um cantinho descansar. Aí depois de um tempo ele foi lá como quem não quer nada, faz um comentário aqui, e mais outro, e começamos uma conversa que rendeu um dos momentos top de Myanmar. Conversamos por mais de 2 horas, ele contando sobre a vida dele, sobre o país, sobre a esperança do povo, sobre a mudança que o país tem passado nos últimos anos, foi muito bom. É claro que compramos uma pintura dele no final, depois descobrimos que foi super overpriced, mas valeu cada centavo.

Descansando após o almoço

Koko e suas pinturas

De lá nos divertimos nas estradas que nos levaram a Inle Lake. A idéia era ir até Thazi e de lá pegar um slow train que prometia uma paisagem cênica até o destino final. Só que como Thazi não é uma cidade muito conhecida, não tem ônibus direto pra lá. Bom, então primeiro pegamos um ônibus turístico bem arrumadinho até uma cidade intermediária a 3 horas de Bagan. O problema é que passamos a cidade e fomos descobrir somente alguns quilômetros mais pra frente. O nosso motorista parou um ônibus local que vinha em sentido contrario e pediu para nos devolver na cidade anterior. Lá fomos nós, 2 ETs entrando com mochilona no ônibus e sentando naquelas cadeirinhas de plástico baixinhas no meio do corredor. Chegando lá pegamos um outro “transporte” que consistia em uma caminhonete adaptada onde os passageiros vão na parte de tras sentados em bancos feito com tabuas de madeira. Umas 15 pessoas espremidas pulando junto com a caminhonete durante 1 hora. Passamos uma noite em Thazi porque o trem só partia no dia seguinte. Uma rua principal e só, assim é a cidade onde tivemos a melhor refeição miamesa a menos de 3 dolares nós dois. Um restaurante simplinho que ninguém falava inglês, apontamos para o que queríamos nas próprias panelas e na hora de pagar, a mulher mostrou através das notas o valor do nosso almoço. No dia seguinte pegamos o slow train, que realmene faz juz ao nome. Foi uma viagem de 10 hora no vagao comum no meio do povo, observando o povo.

Inle Lake é outra cidade bastante turística onde a grande atração é contratar um barqueiro e andar pelo lago conhecendo as vilas e os mosteiros ao redor, um passeio que levou o dia todo. Ela é conhecida também pelos Fishermen, pescadores que remam com o pé para manter a mãos livres e poder manusear as redes. 

Fishermen

Passenado pelo Inle Lake

No outro dia alugamos uma bike e fomos andar por ali. No caminho encontramos uma escola onde a criançada estava brincando e jogando bola. Paramos para observa-los mas logo o papel se inverteu. Veio um aglomerado de crianças perto da gente querendo interagir, seja através de um sorriso ou de um aceno. O Lucio, claro, foi lá no meio fazer graça com a molecada.

Lucio fazendo graça com a molecada

Nós 2 de bike

Nossa ultima cidade foi Hpa-An, uma cidade fora do circuito, conhecida pelas montanhas e cavernas. O trajeto foi ok, 2 onibus, um com total conforto onde só tinha gringos e durou 10 horas durante a noite, e depois outro, onde só tínhamos nós de gringos, que durou mais 7 horas. Na cidade contratamos um tour de 1 dia para conhecer vários pontos da região. O que mais me chamou a atenção foram as cavernas e as imagens de budas dentro delas, todas muito bem conservadas.

Templos budistas nas cavernas

Caverna

Ronda das almas

De lá pegamos o ultimo ônibus noturno de Myanmar para voltar para Yangon onde tomamos o voo de volta para Bangok. Aqui pudemos ter bastante contato com os miameses, viver um pouco da vida como ela é. Comemos nos lugares mais simples de nossa volta ao mundo porque é o que tem, gastando uma média de 4 dólares a refeição para dois. A comida é simples, em geral um frango de panela com arroz e vários acompanhamentos de vegetais que nem sempre sabíamos o que eram, mas eram sempre bem gostoso. Um país em que me senti muito à vontade e segura, que eu gostei muito, com paisagens distintas, fácil de fazer turismo apesar do transporte lento, que mantém seus costumes, que nos acolhe com um simples sorriso e que nos faz acreditar que pessoas do bem existem. Simples assim.

Refeição miamesa

Cozinha do "restaurante"

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