Cabelo pra que te quero
No
começo dessa semana, depois de mais de seis meses sem cortar o cabelo, lembrei
que talvez essa seja a maior “rebeldia” que estou cometendo. Quer dizer, “meia rebeldia”
porque agora sou “meio careca”. Uma “rebeldia” simples, até despercebível como
tal dependendo do meio em que se vive. Mas para quem vive em ambiente
corporativo e já passou dos trinta sabe do que estou falando. Estamos, quase
sempre, presos a “padrões” e regras de trabalho (muitas vezes impostas por nós
mesmos), a modelos sociais, a formatos que deram certo, fugindo do ridículo,
dos comentários e tentando não chamar muita atenção desnecessária.
Quando
era adolescente em Fortaleza conheci o meu irmão-japonês André Kiyoshi, o Kiko,
que é seis meses mais velho do que eu, e entre outras coisas, é um “rebelde”. Toda
vez que íamos cortar o cabelo ele inventava moda. Toda vez era de uma forma
diferente, nova e surpreendente. Às vezes ele parecia um cantor sertanejo, às
vezes um punk e às vezes nem uma coisa nem outra muito pelo contrário. Mas toda
vez sempre despertou muitos comentários, tanto da família como dos amigos. A
família exaltava mais o exagero e o porquê de tudo aquilo, sem entender muito
bem mas nunca podando ou recriminando. E os amigos exaltavam a coragem e
“entendiam” perfeitamente o porquê de tudo aquilo. Pura rebeldia. Não bastava
ser diferente, tinha que ser diferente do diferente. Afinal um “japonês” com
cabelo tipo Chororó não era a coisa mais comum em Fortaleza a 25 anos atrás. E
toda vez, eu era encorajado a fazer algo diferente também, mas nunca fiz. O
argumento dele era simples: “aquele era o momento, a hora de fazer o que
quisesse com o cabelo era aquela, por que depois que “crescêssemos” o cabelo
iria fazer parte de um estilo, um visual, que o trabalho, a época, a nossa
ideia de nós mesmos e a própria idade iriam determinar: arrumadinho, bem
cortado e nos “padrões”. Aquela era a hora de arriscar”. E de certa forma ele
estava certo.
Depois
de alguns anos mudei-me para São Paulo e fui morar com ele que estava de volta
à terra natal depois de uma temporada no Japão, e na primeira empresa que
trabalhei, um escritório de contabilidade, passei por uma situação parecida.
Era meu primeiro mês em Sampa, ainda estava me acostumando com o frio e tudo
mais. Depois de 5 dias sem fazer a barba, na segunda pela manhã, resolvi deixar
o bigode e o cavanhaque só para mudar um pouco o estilo, ver como ficava. No
meio da tarde, minha chefe chega do meu lado e pergunta: “você gostaria de
crescer nessa empresa?”. Eu respondi que sim e ela terminou: “então é melhor
você fazer a barba direito porque o homem aqui não gosta dessas novidades”. No
dia seguinte fiz a barba direitinho e dois meses depois mudei de empresa. Tem
solução pra tudo. Odeio fazer a barba. Faço, mas odeio.
Eis
que aos 40 anos, fazendo um sabático, viajando pelo mundo, vejo uma nova
oportunidade de me rebelar. Não tenho trabalho, meus amigos estão longe, não
conheço ninguém pelo caminho e ninguém nunca me viu antes, portanto fujo um
pouco da lembrança diária do quão ridículo estou sem meus inseparáveis bonés. E
eu sei que estou. Mas e daí!?.
Mas
exatamente 2 dias após pensar nisso, o Kiko posta uma foto no facebook com o
seu novo visual: surpreendente, renovador, rebelde. E como um “rebelde”
experiente, de verdade, é claro que o estilo faz parte do visual: moderno, “na
moda”, atual. Nada parecido com a minha rebeldia: ridícula e sem estilo. Muitos
comentários surgiram, como na nossa infância, mas agora de todo lado do mundo.
Quando pensei que essa era o meu momento de rebeldia o Kiko me mostrou que ser “rebelde”
não é questão de momento é questão de ser ou não ser. E para quem nunca foi o
que resta é tentar ser pelo menos “meio rebelde”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário