Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

OUTRAS VIAGENS - OUTRAS HISTÓRIAS

Cabelo pra que te quero


No começo dessa semana, depois de mais de seis meses sem cortar o cabelo, lembrei que talvez essa seja a maior “rebeldia” que estou cometendo. Quer dizer, “meia rebeldia” porque agora sou “meio careca”. Uma “rebeldia” simples, até despercebível como tal dependendo do meio em que se vive. Mas para quem vive em ambiente corporativo e já passou dos trinta sabe do que estou falando. Estamos, quase sempre, presos a “padrões” e regras de trabalho (muitas vezes impostas por nós mesmos), a modelos sociais, a formatos que deram certo, fugindo do ridículo, dos comentários e tentando não chamar muita atenção desnecessária.

Quando era adolescente em Fortaleza conheci o meu irmão-japonês André Kiyoshi, o Kiko, que é seis meses mais velho do que eu, e entre outras coisas, é um “rebelde”. Toda vez que íamos cortar o cabelo ele inventava moda. Toda vez era de uma forma diferente, nova e surpreendente. Às vezes ele parecia um cantor sertanejo, às vezes um punk e às vezes nem uma coisa nem outra muito pelo contrário. Mas toda vez sempre despertou muitos comentários, tanto da família como dos amigos. A família exaltava mais o exagero e o porquê de tudo aquilo, sem entender muito bem mas nunca podando ou recriminando. E os amigos exaltavam a coragem e “entendiam” perfeitamente o porquê de tudo aquilo. Pura rebeldia. Não bastava ser diferente, tinha que ser diferente do diferente. Afinal um “japonês” com cabelo tipo Chororó não era a coisa mais comum em Fortaleza a 25 anos atrás. E toda vez, eu era encorajado a fazer algo diferente também, mas nunca fiz. O argumento dele era simples: “aquele era o momento, a hora de fazer o que quisesse com o cabelo era aquela, por que depois que “crescêssemos” o cabelo iria fazer parte de um estilo, um visual, que o trabalho, a época, a nossa ideia de nós mesmos e a própria idade iriam determinar: arrumadinho, bem cortado e nos “padrões”. Aquela era a hora de arriscar”. E de certa forma ele estava certo.

Depois de alguns anos mudei-me para São Paulo e fui morar com ele que estava de volta à terra natal depois de uma temporada no Japão, e na primeira empresa que trabalhei, um escritório de contabilidade, passei por uma situação parecida. Era meu primeiro mês em Sampa, ainda estava me acostumando com o frio e tudo mais. Depois de 5 dias sem fazer a barba, na segunda pela manhã, resolvi deixar o bigode e o cavanhaque só para mudar um pouco o estilo, ver como ficava. No meio da tarde, minha chefe chega do meu lado e pergunta: “você gostaria de crescer nessa empresa?”. Eu respondi que sim e ela terminou: “então é melhor você fazer a barba direito porque o homem aqui não gosta dessas novidades”. No dia seguinte fiz a barba direitinho e dois meses depois mudei de empresa. Tem solução pra tudo. Odeio fazer a barba. Faço, mas odeio.

Eis que aos 40 anos, fazendo um sabático, viajando pelo mundo, vejo uma nova oportunidade de me rebelar. Não tenho trabalho, meus amigos estão longe, não conheço ninguém pelo caminho e ninguém nunca me viu antes, portanto fujo um pouco da lembrança diária do quão ridículo estou sem meus inseparáveis bonés. E eu sei que estou. Mas e daí!?.


Mas exatamente 2 dias após pensar nisso, o Kiko posta uma foto no facebook com o seu novo visual: surpreendente, renovador, rebelde. E como um “rebelde” experiente, de verdade, é claro que o estilo faz parte do visual: moderno, “na moda”, atual. Nada parecido com a minha rebeldia: ridícula e sem estilo. Muitos comentários surgiram, como na nossa infância, mas agora de todo lado do mundo. Quando pensei que essa era o meu momento de rebeldia o Kiko me mostrou que ser “rebelde” não é questão de momento é questão de ser ou não ser. E para quem nunca foi o que resta é tentar ser pelo menos “meio rebelde”.

Lúcio Braga


Canindé, Jan/1992. Foto de Lambe Lambe
Nunca saiu assim.

Assim é bem melhor.


Kiko e seu novo visual

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