Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Laos sem pressa

Laos foi um lugar para deixar o tempo passar no meio da paz e da tranquilidade. É verdade que não se tem nenhuma grande atração turística, mas a simplicidade e a gentileza desse povo nos faz querer estar lá, simplesmente por estar.

Existe uma risada gostosa por todos os lados, aquela risada com vontade porque realmente é verdadeira. Talvez porque, apesar da pobreza, parece que o que é mais importante, a família, está sempre por perto. Crianças cuidam de crianças, mães cozinham para a família, pais brincam com os filhos, todos cuidam dos idosos e todos estão juntos sempre. O governo incentiva que todos tenham o seu próprio negócio, que em geral é uma vendinha, bem vendinha mesmo, na porta de frente da casa. E passam o dia lá, sentados num banquinho, conversando entre eles, entre os vizinhos, almoçam e jantam na calçada todos juntos, sem pressa pra nada.

Da fronteira da Thailandia fomos de barco até Luang Prabang, uma viagem de 2 dias descendo o Rio Mekong. Um barco que foi lento, desviando das pedras, em meio à natureza, legal no começo mas no final do primeiro dia já estava entediada achando que era melhor ter ido de ônibus pela metade do tempo. Ainda bem que o Lucio me lembrou que estamos no nosso ano sabático, sem pressa, para curtir, e afinal, quando teríamos a oportunidade de viajar de barco de novo? E assim fomos, no ritmo do barco, até nosso primeiro destino.

Luang Prabang é um charme, uma cidade toda arrumadinha que mantém sua fachada da época da colonização francesa. Andando pelas ruas existe uma paz difícil de explicar, ruas limpas, silenciosas, templos e escolas para monges, tudo isso envolto pelos rituais budistas como a ronda das almas, o tocar dos sinos às 4 e às 16 horas, a reza às 18 horas.

Ponte ligando as vilas de Luang Prabang

A ronda das almas é muito bonita, os monges passam todas as manhãs lá pelas 6 horas pelas ruas da cidade, descalços e com a cesta para receber os alimentos doados pelos moradores. Talvez mais bonito que isso é a devoção das senhoras que acordam mais cedo ainda para preparar o stick rice e os esperam nas suas portas todos os dias. Fomos ver o ritual 3 das 6 manhãs que ficamos na cidade.



Desde a Tailandia tenho observado e pensado nos monges. A ideia que tinha era de um senhor oriental serio que vivia apartado de tudo, um ser soberano que vivia de ar. O que vi em minha andança por aí são jovens, risonhos, brincalhões, jogam bola, alguns fumam, todos tem celular, fazem turismo, compram lembranças. Em LP se tem muitos estudantes de monges, uma forma dos meninos terem boa educação já que as escolas são caras. Eles precisam de cerca de 6 anos para completar a formação. Muitos não se tornam monges, mas quase a maioria dos homens estudaram nos templos em algum período de suas vidas. 

O mercado noturno é outra atração gostosa, uma rua grande que se transforma à noite com as barracas vendendo roupas, lenços, pinturas e souvenires. As laosianas são muito cuidadosas, arrumam cada detalhe da sua barraquinha, não ficam gritando querendo chamar os turistas, e não fazem qualquer negócio, valorizam suas mercadorias sendo justas no valor. Fomos lá quase todas as noites.



Ficamos 6 dias na cidade, “presos” esperando o tempo de processamento do visto vietnamita. Andamos por ali, de um lado do rio, do outro lado do rio, visitamos alguns templos e fomos conhecer a cachoeira Kuang Si, distante 45 minutos da cidade. Uma cachoeira muito bonita que ao longo do caminho vai formando varias piscinas de calcário.



A comida é muito boa. Eles usam várias ervas, principalmente o capim limão e o coentro. O sabor é intenso mas suave, sem pimenta, e como acompanhamento, se não o principal, é o stick rice, um arroz bem grudento parecido com o motigome mas mais duro. O melhor de tudo é comer com as mãos, faz umas bolinhas de arroz com a mão, junta com a comida que em geral não tem muito liquido e manda ver. Ah, porcausa da colonização francesa tem muitas padarias com baguete. Matamos saudades de um pãozinho francês.

Frango com legumes e leite de coco, delicia!

Peixe do Rio Mekong, divino!

Frango com bambu frito, sensacional!

De lá fomos para Nong Kiaw, uma vilazinha a 3 horas e muitas curvas de Luang Prabang. Ela é bem pequena, cercada de montanhas. Faz muito frio, já tinha me esquecido da sensação do frio e quase não tenho roupa já que depois do trekking do Nepal despachei quase tudo de frio que tinha. Subimos no view point, uma caminhada de 1h30 para uma visão espetacular da cidade, lindo. Depois alugamos uma bike e fomos andar por aí, parando para conhecer uma caverna no meio do caminho e passando por algumas vilas locais.

Vista do view point

Nós 2 na ponte da cidade que liga o lado turístico e o lado local

Porque simplicidade pouca é bobagem fomos mais para o interior ainda, em Muang Ngoi, outra vilazinha a 1 hora de barco de Nong Kiaw. Até o ano passado não tinha energia elétrica e hoje, apesar de ter um lado turístico com pousadas e cardápio em inglês, ainda mantem muito do seu dia a dia sem interferências ocidentais. A rua principal é a única da cidade, de terra, com casas muito simples, todas com um mini comercio na frente. À noite eles acendem uma fogueira e juntam a família toda em volta para comer e se aquecer. Caminhamos um dia todo para conhecer uma caverna e mais adiante uma vila mais simples ainda, com casas de palhas, mesmo assim cada uma com sua lojinha na frente, fogareiro, família reunida, jogo de bola, meninos brincando de pião, cada um no seu ritmo. Comemos em um restaurante, na verdade o único da vila, onde a senhorinha foi buscar na horta os legumes que iríamos comer. Não tem como um simples fried rice com ovo e legumes não ser sensacional.

Rua principal
Hill Village

Vendinha na frente de casa

Voltamos de barco para Nong Kiaw e de lá fomos para San Neua, uma cidade fria no meio da montanha, distante 10 horas, muitas curvas e muita poeira. As estradas do Laos são as piores que já andamos, vão contornando as montanhas e de tempos em tempos passamos por uma vilazinha aqui outra ali. Paradas para banheiro é no meio da estrada, cada um vai atrás do seu matinho e se arranja por lá. Uma diversão.

A atração de San Neua são as cavernas de Vieng Xai, distante 1 hora da cidade. Foi lá que o governo comunista conseguiu se proteger dos constantes ataques dos Estados Unidos entre os anos de 1964 e 1973. Casas, escolas, hospital, sede do governo, tudo funcionava nas cavernas da região onde o povo se escondia. Uma história tão recente ainda carrega suas marcas, algumas bombas que não explodiram no lançamento representam riscos para a população e o solo só deve se descontaminar daqui a 20 anos. Esse período foi conhecido como Guerra Secreta porque na época todos os olhares eram para a Guerra do Vietnã, mas a verdade é que o Laos foi o país mais bombardeado da guerra.

Sala de estar em uma das cavernas que era escritório político

De lá atravessamos a fronteira para o Vietnã em outra viagem de 10 horas. Quando a viagem é longa e inclui uma fronteira, em geral os ônibus são bem ok. Bom, não foi esse o caso, pegamos um micro ônibus bem velhinho, apertado e abarrotado de laosianos e vietnamitas. Claro, naquelas estradas um ônibus grande não conseguiria andar. E lá fomos nós, para a estrada mais poeirenta e esburacada que já andamos, com direito a ônibus quebrado e saquinhos de vômitos sendo jogados pelas janelas. Diversão garantida, para eles, assistindo os dois turistas no meio da poeira. Ah, quando vamos ter oportunidade de viajar assim de novo?

Onibus quebrado no meio do caminho empoeirado

E assim foi o Laos, curtimos o país sem pressa, em meio à paz, tranquilidade, monges, montanhas, frio, estradas empoeiradas, comida boa e gente do bem. E como isso faz bem. Bem pra alma, bem pro coração. 

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