Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Myanmar: um país a ser descoberto

Bom Pessoal

Chegamos em Yangon, Myanmar, que eu pensava ser a capital mas descobri que em 2012 eles mudaram a capital para Nay Pyi Taw. Myanmar é a antiga Birmânia, eles também trocaram de nome. Mas parece que foi uma mudança pela metade porque quem nasce aqui ainda é chamado de birmanês. Como não sabia que as denominações não haviam mudado, comecei a chamá-los de “myanmeses” e vou continuar, acho mais bonito. Logo que saímos do aeroporto comecei a me sentir um pouco familiarizado com tudo. Não sabia exatamente o porquê mas depois pensei que talvez fosse por eles dirigem do lado certo da rua (diferente de todos os outros países desde a China) apesar de a direção de 90% dos carros ser do lado errado. Deve ser um modelo em transição. E encontrei também outras coisas bem familiares, como tapioca e rapadura, e outras nem tanto, como as vestimentas. Uma das principais características dos “myanmeses” é que quase 70% da população usa saia. Sim, mais da metade dos homens e 90% das mulheres usa saia. Para as mulheres é uma canga, colorida, lisa ou cheia de detalhes decorativos como flores, riscos e desenhos, enrolada na cintura. Para os homens também é uma canga (sempre xadrez) mas costurada na lateral, ficando parecido com um saco sem fundo e amarada na cintura com um nó. As mulheres combinam a saia com a camisa e os homens usam qualquer tipo de camisa com a saia, desde camisa social de manga comprida até camiseta regata. A Raquel até comprou uma saia para ela mas eu não. A bermuda está funcionando “super” bem.

Shwedagon Paya




No primeiro dia fomos conhecer o centro antigo da cidade, uma caminhada por ruas com prédios colônias bem antigos, mal conservados e no caminho passamos por alguns mercados: primeiro um mais local, onde os “myanmeses” compram suas roupas e calçados, depois fomos no mais turístico com lojinha de artesanato, joias, e também roupas e calçados pelo dobro do preço. Almoçamos em um restaurante com comida local (arroz, galinha cozida e muitas verduras e folhas diferentes), e depois voltamos para o hotel porque o calor era insuportável. No final do dia fomos conhecer a principal pagoda do país: a pagoda de ouro de Shwedagon Paya. É um grande complexo de vários prédios com vários Budas diferentes e no meio a grande Pagoda de ouro. Pena que ela está em reforma e a parte de ouro está coberta por andaimes, que dificultam ver a beleza. A parte de baixo, que é apenas folheada a ouro, estava coberta por sacos de palha dourada. Mas aqui, como o número de turistas é bem menor que nos outros lugares por onde andamos, a peregrinação é mais religiosa, portanto foi possível ver melhor as pessoas orando, agradecendo, entoando cânticos e cumprindo os rituais. Ficamos até o anoitecer para ver o brilho mas as reformas estão realmente atrapalhando. Melhor foi ver o povo.



No domingo fomos conhecer o parque da cidade, bem agradável, e na segunda fizemos um passeio de trem. É uma linha circular na cidade que dura 3 horas. Foi muito tempo para ver mais do mesmo, mas foi possível ver que o país é bastante podre e a cidade é muito suja com lixo por todo lado e esgoto a céu aberto em todo lugar. A condição de vida de boa parte da população é bem dura. Mas a sensação de segurança é total, quem se aproxima de você está realmente querendo lhe ajudar ou no máximo tentando gastar o inglês. Myanmar é um país “fechado” que está se abrindo aos poucos para o turismo, governado por generais que fizeram uma “intervenção militar” em 1962 e não largaram mais o osso (fica a dica).





Na terça fizemos nossa viagem (saga) para a cidade de Bagan. Fomos de trem que é o meio de transporte mais barato, mais lento, mais demorado, mas com as melhores vistas. No final foram quase 20 horas para percorrer menos de 700 Km. Mas foi uma das melhores viagens que já fiz. O trem era bem antigo, sujo, empoeirado mas confortável. Compramos bilhete na melhor categoria (com cama) e não esperávamos que fosse tão boa: era uma cabine exclusiva, isolada, para 4 pessoas, com camas na parte de cima (acima das janelas) e cadeiras que reclinavam até virarem uma cama de casal embaixo, duas janelas de cada lado, banheiro e um pequeno armário. Eles ainda nos ofereceram sabonete e toalhas de rosto. Quando li sobre essa viagem nos blogs, quase sempre em inglês, eles explicavam que o trem “jump a lot” ou “pula muito” em português. Mas a melhor tradução nesse caso é: pula pra caralho. Parece que você está sentado em um cavalo a galope. Às vezes você precisa se segurar para não cair. Mesmo assim deu pra dormir. A viagem começou as 4 da tarde e nas duas primeiras, ainda com sol, foi possível ver um pouco do interior e da vida por onde o trem passou. Assistimos o pôr-do-sol de camarote ou melhor do camarote e antes das sete quando tudo já estava escuro, o trem pulou tanto que a energia do nosso vagão desligou. Ficamos no escuro e sem ventilador. Aquilo me deixou um pouco incomodado porque ainda estava quente, mas como as cabines são isoladas do resto do trem, tem-se que esperar chegar em alguma estação para avisar sobre o ocorrido. Uma hora depois eles conseguiram restabelecer a energia e seguimos viagem agora com luz e ventilador. Com a noite avançando e nenhuma nuvem no céu, a única coisa que via eram as estrelas. Uma beleza. Quase nem dei conta quando pouco depois das 9 da noite a energia foi embora e ficamos no escuro de novo. Melhor assim. Os vagalumes na beira dos trilhos eram tantos que pareciam indicar o caminho que o trem deveria seguir. E vi tantos deles em algumas árvores que parecia que já era natal. Uma beleza. Terminei o meu uísque e fui dormir. As 11 da noite, paramos em uma estação e recebemos a visita de um casal de espanhóis que também estava indo para Bagan. Daqui para frente dividimos “nossa” cabine com eles. Acordei antes das 6 horas da manhã para não perder o nascer-do-sol. Não sou muito fã do nascer-do-sol prefiro o pôr-do-sol, mas esse foi bonito. Uma bola amarelo-alaranjado gigante surgindo atrás das montanhas no horizonte deixando o céu metade avermelhado e metade azul. Uma beleza. Não tenho fotos, apenas a retina. Voltei a dormir mais um pouco e depois fiquei observando a paisagem. Mais uma vez vi muitas coisas que me são comuns: o ambiente é o mesmo do sertão do nordeste, árvores de porte médio, arbustos com muitos espinhos, carnaúbas, mamonas, pontes sobre rios secos, pequenas plantações de algodão e milho, carros-de-boi, cabras... Me senti realmente no Nordeste mas estou do outro lado do mundo e o que parece é que mundo não é tão diferente assim. Durante a manhã ficamos conversando com o casal de espanhóis e chegamos em Bagan já era quase meio-dia.






Bagan é um dos principais destinos de Myanmar, é uma região com mais de 4000 pagodas espalhadas em uma área de menos de 40km quadrados. Para onde se olha se vê pagodas. Um lugar único com um visual surpreendente e muito bonito. No dia em que chegamos não fizemos muita coisa, preferimos, depois de almoçar, voltar para o hotel descansando da viagem. Ficamos na vila de Nyaung U, a mais movimentada porque as outras opções (Old Bagan e New Bagan) tem apenas os hotéis chiques, caros e quase nenhum restaurante. No dia seguinte alugamos uma bike, compramos um mapa e fomo conhecer a região. São tantas pagodas que é preciso fazer um roteiro para não ficar indo de um lado para outro. Primeiro fomos para a Sulamani Pahto, uma bela construção piramidal e cheia de desenhos e pinturas nos corredores internos, mas nessa pagoda não se pode subir para se ter uma vista do entorno. Depois fomos para a Dhammayangyi Pahto e nessa podemos subir um pouquinho até uma janela lateral de onde tivemos nossa primeira visão do campo de pagodas. E os “myanmeses” são muito simpáticos: primeiro perguntam de onde você é, depois puxam conversa, depois oferecem algum produto, lembrancinhas ou pinturas e depois lhe pedem dinheiro do seu país, pois todos são “colecionadores” de dinheiro. Eles abrem as carteiras orgulhosos com cédulas de todo lugar. Achei a “tática” muito simpática pois cria um interesse no seu país. Mas saímos do Brasil sem nenhum real sequer. Como souvenir, estou fazendo uma coleção de moedas de todos os lugares que vou. Mas Myanmar não tem moedas, talvez daqui fique com algumas cédulas. O rapaz que nos pediu dinheiro nos orientou sobre uma pagoda ao lado de onde estávamos, menor, mas que poderíamos subir e ver todo o entorno. É realmente uma maravilha. Talvez não seja, hoje, uma das maravilhas do mundo porque isso depende de uma votação e não são muitas pessoas que conhecem. Mas que merece, merece. Do alto desta pagoda se pode ver todas as maiores pagodas da região, cada uma em um estilo diferente. Depois dessa pagoda fomos procurar um lugar para, primeiro, consertar o pneu da minha bicicleta, e segundo, um restaurante para almoçar. Enquanto eu aguardava o rapaz (que tinha seis dedos em uma das mãos) consertar o pneu, a Raquel foi dar uma voltinha por perto e descobriu o restaurante onde almoçamos. Restaurante é modo de dizer. Era um barracão no meio de um terreno, cheio de turistas e de locais. O barracão não tinha paredes e a cozinha era ali mesmo. O fogão eram quatro fogareiros no chão: o primeiro com o sopão, outros dois com frango frito e o outro de reserva. Tudo no chão mesmo. A comida era muito boa mas não gostei muito dos acompanhamentos. Comemos frango cozinho com curry e de acompanhamento tinha berinjela e salada. Dali fomos para uma outra padoga, menos famosa, para sentar, descansar um pouco, fazer a digestão e esperar o sol baixar. Lá conhecemos o Koko, um “pintor” da região (todo mundo que vende é “pintor”). Primeiro conversamos sobre a cidade, o país, futebol (todo mundo sabe tudo sobre futebol), dinheiro, política, educação e por último ele foi nos mostrar as pinturas que faz. Já tinha gostado de uma assim que chegamos. Ele nos mostrou uma inacabada para provar que é ele mesmo que faz e colocou na mesa todos os argumentos de um bom vendedor, nos mostrando que seu trabalho era de boa qualidade, artesanal e único (apesar de termos visto em todas as outras pagodas as mesmas telas, desenhos e assuntos). Mas fomos ver já “mal intencionados”. Na hora de falar o preço, o mesmo papo de todos os vendedores da região: “precinho especial, só pra você, vou falar baixinho, não fala para ninguém”. Sem medo de errar, você pode reduzir o primeiro preço em 70% e negociar a partir daí. Acho que pagamos tão “caro” que ele até nos deu outra tela, de um material diferente, de presente. Ou seja, compramos uma e levamos duas (“sabe nada, inocente”). Acho que foi tipo a Black Friday: “tudo pela metade do dobro”. Mas saímos satisfeitos com tudo: com a tarde, com a conversa, com as telas, com o preço e depois ele ainda nos indicou um lugar maravilho para ver o pôr-do-sol: no topo de um antigo mosteiro. Muito bom.












No outro dia, cansados de pedalar, alugamos uma bicicleta elétrica. Esforço zero. Fomos conhecer as três principais pagodas da região. A principal delas, Ananda Pahto, está sendo restaurada, é muito bonita mas não me impressionou. A mais bonita de todas foi a primeira, principalmente pelo interior. Fomos almoçar de novo no barracão (desta vez gostei mais dos acompanhamentos), voltamos para a pagoda do pintor para dar-lhe de presente uma cédula da Tailândia e outra do Nepal que tinha e para uma menina que tinha uma barraquinha por lá e tentou nos vender de um tudo, algumas moedas que tinha a mais na minha coleção (ela era a única que colecionava cédulas e moedas). Já que estávamos de bike elétrica fomos conhecer lugares mais distantes e vimos o pôr-do-sol de uma pagoda bem mais alta do que o mosteiro do dia anterior, a Pyathada Paya. Esta era bem mais procurada pelos turistas que chegavam de todas as formas possíveis: moto, bicicleta, charrete, carro-de-boi, carro, ônibus etc. Como chegamos cedo pegamos um lugar bem na frente. Como é bom ver o pôr-do-sol. No outro dia bem cedo começamos nossa viagem para o Inle Lake em duas etapas: primeiro um ônibus até a cidade de Meitkele, depois um pau-de-arara até a cidade de Thazi, onde nos hospedamos por uma noite (e tive a melhor refeição em Myanmar) para no outro dia tomar trem até Shweaung e de lá outra van para nosso destino, a cidade Nyaung Shwe. Só de trem foram 10 horas.





O Inle Lake é outra parada obrigatório em uma visita a Myanmar. É um lago natural que tem como principal atração as vilas no meio e seus pescadores característicos que se equilibram na ponta de suas canoas e remam estranhamente com a ajuda das pernas e não dos braços. Não se sabe muito bem onde começa ou termina o lago, porque eles construíram vários canais que aumentaram o tamanho e que também são usados para irrigar plantações de todo tipo. Todo mundo tem um barco. Visitamos uma feira em uma das vilas, uma loja com a mulheres girafas e também outras onde eles fabricam cigarros. O passeio todo foi muito bom e é indispensável. No dia seguinte alugamos uma bike e fomos conhecer os caminhos ao redor do lago. Fomos até uma vila e de lá tomamos um barquinho para ir para o outro lado de onde fizemos o caminho de volta para a cidade no final da tarde, com direito a parada em um vinhedo para fazer uma degustação dos vinhos da região. Continuo preferindo os chilenos e argentinos. 







No último dia ficamos na cidade para conhecer o mercado central e à noite tomamos um ônibus para Bago e de lá, outro para nosso destino: Hpan an. É uma cidade fora do circuito e considerada a próxima cidade a ser descoberta pelo turismo “de massa”. Cheia de cavernas convertidas em templos, tem um charme e uma beleza diferente dos outros lugares. Visitamos umas 6 cavernas cheias de Budas, andamos pelos campos de arroz e passeamos de canoa. Foi muito bom, também pelas outras pessoas que estavam conosco: um porto-riquenho radicado na França, quatro outros franceses e duas italianas. Um dos franceses inclusive sabia tudo sobre música brasileira, de Jacson do Pandeiro à Criolo e Céu. Me fez até algumas indicações de bandas que supostamente eu deveria conhecer mas que nunca tinha ouvido falar, como Metá Metá e Cidadão Instigado. Um francês me ensinado sobre música brasileira em Myanmar? Vivendo e aprendendo. E na seção "parece que estou no nordeste" também encontrei cocada e refrigerante Mirinda. No dia seguinte ficamos na cidade e à noite seguimos para mais uma saga, uma viagem de 48 horas de volta para a Tailândia. Mas essa fica para a próxima.









Valeu.

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