Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Índia: prorrogação

Bom pessoal,

A Índia para mim foi como um jogo: o primeiro tempo foi feio, horroroso e difícil de engolir. O segundo tempo foi melhor, com os dois lados procurando o jogo, mostrando a que vieram e fazendo até mesmo belas jogadas. E a prorrogação, que às vezes guarda o melhor da emoção, não deixou a desejar.

Saímos de Jaipur e fomos para Agra, a cidade do Taj Mahal. A estrada foi outra e nem precisei do ipod: tranquila, de boa qualidade e sem trânsito. Já próximo a Agra paramos para conhecer o Forte Fatehpur, um forte-palácio no alto de uma colina todo de pedra vermelha. E quando falo todo quero dizer TODO: do piso ao teto tudo é de pedra vermelha. Sem nenhum adereço, todos os detalhes são talhados nas próprias pedras, a grande atração é um prédio quadrado com uma coluna central toda detalhada. Mas o calor era tanto que curtimos muito pouco. Perguntei ao Grish se no verão o calor era muito maior e ele respondeu que sim. Perguntei de novo se era um calor de 40º e ele disse: “Nãããããoo, é de 48º, 49º. Das 11 da manhã até as 2 da tarde não tem ninguém na rua”. Não quis nem imaginar, fomos almoçar e seguimos para Agra. O hotel em Agra talvez tenha sido o melhor que tivemos em toda a Índia. Apesar que nunca ficamos em hotéis tão bons nessa viagem quanto os daqui.

Forte Fatehpur
A coluna
E no dia seguinte, as 5:30 da manhã seguimos para o Taj Mahal para ver o nascer-do-sol. Depois de passar pela bilheteria, e pelo portão de entrada, vimos aquele prédio branco, imenso, impressionante. Difícil não definir aquilo como único, majestoso. É sem sombra de dúvidas o maior, mais bonito e o mais qualquer-adjetivo-que-você-queira-usar mausoléu do mundo. Construído como prova de amor do Rei para sua esposa favorita que morrera de complicações no parto. Pensado nos mínimos detalhes, o prédio é totalmente proporcional, com face sul, geometricamente perfeito, cravejado de pedra semi preciosas, no final de um belo jardim com espelhos d’água. A única coisa fora do lugar no Taj Mahal é o túmulo do Rei, que não fazia parte do projeto e fica ao lado do da rainha (este sim bem no meio do prédio). Mas o rei gastou tanto que quase quebrou o reino e acabou sendo deposto do poder pelo próprio filho, que o colocou em “prisão-domiciliar” até o final de sua vida (ele viveu 8 anos na “prisão”) no Forte Agra, de onde se pode ver o Taj Mahal. Sem sombra de dúvidas, é uma maravilha do mundo.

O Taj Mahal
Os detalhes da fachada são feitos de pedras semi preciosas cravejadas no mármore
Forte Agra
Pátio Central do Forte Agra
O Taj Mahal visto do Forte Agra
Nesta mesma noite pegamos o trem para Varanasi, a cidade mais sagrada do Hinduismo, onde o começo e fim se encontram. Dizem que para experimentar a Índia você tem que andar de trem. E a coisa começou a ficar feia já na estação, que não é exatamente em Agra, é em uma outra cidade a uns 30 quilômetros. O trem era às 20:30 mas chegamos 2 horas antes. Durante a espera um pombo cagou na minha bolsa, um rato correu para debaixo do nosso banco, grilos, mosquitos e besouros apareciam de todo lugar e faltou energia várias vezes deixando tudo no escuro. E quando um outro trem chegou na estação, vimos como os indianos viajam. Não sabia que cabia tanta gente dentro de um vagão. Mas nosso ticket era para um vagão de cabines com 4 camas e com ar condicionado. E foi quase isso mesmo, só as cabines que não eram exatamente cabines. A separação para o corredor era de cortina e o trem não era um trem padrão japonês ou chinês, era velhinho, velhinho. Apesar da aparência não ser boa a viagem foi tranquila. Só o ar condicionado que estava no máximo e quase congelei. Chegamos as 6:30 da manhã em Varanasi e tinha uma pessoa nos esperando. Ainda bem porque a estação era uma bagunça só. Tinha até uma vaca dentro da estação. Seguimos para o hotel, tomamos café e fomos dormir de verdade.

No meio da tarde fomos conhecer o lugar onde supostamente o primeiro Budha fez o seu primeiro sermão. É um complexo de monastérios em ruínas com um grande totem que sinaliza o local do sermão. De lá fomos conhecer o bairro muçulmano e suas fábricas de lenços, colchas, almofadas e afins. Vimos como são feitos os lenços e seguimos para uma loja. O vendedor, um senhor, estava sentado num tablado e nos sentamos num banco. Ele primeiro começou a conversar sobre vários assuntos, perguntando sobre nós, nos ofereceu água e só depois de algum tempos nos mostrou os produtos. E eu pensando que tudo seria um grande desperdício de tempo já que nunca compramos nada. Mas ele era muito bom e os produtos também. Acho que ele seria capaz de vender geladeira para esquimó. No final das contas foi a maior compra que fizemos até hoje nessa viagem. Voltamos para o hotel e ficamos só esperando o outro dia para conhecer o rio Ganges.

As 5:30 da manhã deixamos o hotel a pé com destino ao rio para o passeio de barco neste que é o mais sagrado rio da Índia, onde tudo acontece. Onde eles rezam, fazem oferendas, tomam banho, escovam os dentes, lavam as roupas, jogam as cinzas dos mortos que podem ser cremados (e as partes que não foram) e os corpos dos que não podem, entre outras coisas. É um dos rios mais poluídos do mundo. O objetivo era ver o nascer-do-sol mas o mais interessante é ver as pessoas começando o dia, tomando banho, fazendo suas orações, trabalhando ou simplesmente tentando acordar. O guia no barco nos explicou tudo sobre os diversos Ghats e principalmente sobre os rituais que ali acontecem, em especial o ritual de cremação. Não vi nada assustador ou repugnante no rio mas li vários relatos de outros viajantes nada animadores. Depois disso fomos conhecer mais dois templos na cidade e no final do dia fomos acompanhar a cerimônia que acontece todos os dias em homenagem a Mãe Ganges, o rio, e é a mais famosa de toda a Índia. Essa era uma das imagens que tínhamos na cabeça quando pensávamos na Índia. Em teoria é a mesma cerimônia que vimos em Rishikesh mas muito mais grandiosa. E bonita. E cheia de luzes, fogo, cânticos, palmas e pessoas. Valeu a pena o sacrifício, porque o caminho do estacionamento até o local da cerimônia era como andar na 25 de março na véspera do natal, só que era um dia qualquer em Varanasi.

O nascer-do-sol de um lado do rio ... 

... e o ciclo da vida terminado no crematório que funciona 24 por 7 (prédio vermelho) ...
... e as orações matutinas de homens e mulheres ...
... e o banho refrescante diário ...
... e o banho purificador do corpo e da alma ...
... e vendo a vida passar do outro lado do rio.
E assim nos despedimos da Índia. O jogo foi duro, com momento bons e momento ruins, algumas recaídas e no final não sei exatamente quem ganhou. Não fiquei para ver os pênaltis.

Valeu.

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