Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Índia: ame-a ou deixe-a

Bom pessoal,

Não amei, mas ainda estou aqui. Estamos na Índia, o país das contradições. Chegamos no aeroporto internacional Indira Gandhi, e fora daquele ambiente “esterilizado” do aeroporto, me deparei com a realidade. Chegamos de madrugada e não vimos o trânsito mas quando chegamos no bairro do nosso hotel, sinceramente, achei que tivesse entrado em uma favela. O hotel é excelente, simples mas bem acima do nosso padrão nessa viagem. O entorno é que é complicado. Mas não me entendam mal, não é perigoso, violento, é apenas Delhi. Uma realidade que você aceita ou rejeita. O nosso guia (lonely planet) diz que saindo do aeroporto existem dois tipos de turistas: os que aceitam, aprendem e se acostumam e os que não veem a hora de ir embora. Nem uma coisa nem outra. Não simpatizei, não me acostumei (ainda), mas não quero ir embora. E a contradição está no fato da pobreza, da miséria, da desorganização, do trânsito caótico e da população serem exatamente do mesmo tamanho da gentileza, respeito e cuidado com que estamos sendo tratados e do sorriso dos indianos. Acho que é impossível descrever o ambiente, a pobreza, o trânsito e as pessoas com clareza suficiente para que alguém de longe, distante, consiga realmente perceber a realidade. Só estando aqui para saber. Outra contradição é que existem muitas pessoas que se utilizam exatamente dessas qualidades para aplicar golpes nos turistas mais desavisados, alguns muito bem elaborados e que envolvem muitas pessoas. Uma pequena busca na internet e você vai conhecer alguns. Por isso, as vezes é difícil acreditar em tanta gentileza. E isso esta me deixando muito reativo a tudo e a todos.



Conforme nos planejamos e prometemos a nossos pais, contratamos uma agencia de turismo para viajar por essas bandas. Fizemos um roteiro e a agencia nos disponibilizou um motorista particular que vai nos levar para onde quisermos na hora que bem entendermos. É assim que se faz turismo na Índia. Tem gente que faz tudo sozinho mas seria demais para mim. Isso também esta sendo novo e um pouco estranho porque interagimos pouco com o mundo lá fora e ficamos muito tempo “na bolha”. Melhor assim, porque realmente não estou me sentindo muito à vontade, não consegui relaxar um só minuto. Não bati nenhuma foto com a minha câmera, por duas razões: a primeira é que não vejo ninguém portando uma câmera do mesmo porte que a minha e não sei se é seguro, às vezes bato com a câmera da Raquel. E a segunda é que não tenho vontade de fotografar nada, nenhum assunto me interessa. Consigo ver beleza no caos, mas não consigo ver na miséria. É muita gente em todo lugar, muita buzina, muita sujeira, muito lixo e muitos trombadinhas. Em todo lugar sempre tem alguém esperando uma oportunidade para conseguir tirar alguma coisa de você sem que você perceba. E eles são muito bons no que fazem.

No primeiro dia fechamos o pacote e o motorista já nos levou para almoçar em um restaurante de comida local. Aliás a comida é a melhor parte até agora. O pão Naan é bom demais. Depois fomos andar de riquixá e conhecer o Red Fort e uma Mesquita da Índia que fica logo em frente. Negociamos o preço e seguimos, mas exatamente nessa hora começou a chover e quando chegamos a chuva era tanta que nem entramos no forte. Ensopados seguimos para a Mesquita onde a entrada é livre e de graça mas cada câmera ou celular paga 300 rupias, o equivalente a 5 dólares, ou 30% do que gastamos no almoço. Ficamos na porta observando o vai-e-vem das pessoas. Voltamos para o estacionamento, pegamos o carro e fomos atrás de um banco e de um mercadinho para comprar água. Depois o motorista nos levou para o conhecer o parlamento, a casa presidencial e seus jardins e também uma loja de artesanato local. Cada especialidade tinha um vendedor próprio, então na loja tinham uns 15 vendedores diferentes tentando nos convencer a comprar enquanto andávamos. Mas eles não sabiam que nunca compramos nada. Demos uma volta completa e saímos. E voltamos para o hotel. Uma curiosidade é que o hotel tem umas três vezes mais pessoas trabalhando do que um hotel do mesmo porte em qualquer outro lugar do mundo. É muita gente. E só homens. Isso também acontece nos restaurante que fomos.

No estilo mochileiro, no dia seguinte, sábado, decidimos sair sozinhos para conhecer o Lotus Templo e a Connaught Place. O hotel fica a três quadras da estação New Delhi do Metro só que a entrada fica do outro lado dos trilhos. Portanto temos que passar andando por um viaduto. Somente nesse trajeto se aproximaram de nós três pessoas, em momentos diferentes, puxando conversa e tentando nos orientar para onde “deveríamos” ir. O primeiro disse que era dia de festa e que do outro lado do viaduto estava tudo fechado e que a multidão estava se encaminhando para o viaduto, portanto à tarde tudo estaria fechado, e blá blá blá. Respondi: “então tá então” e “obrigado”. Ele desistiu de nós. Os outros, resolvi utilizar uma técnica diferente: respondia tudo, educadamente, em português. Eles logo desistiram também. O que eles querem é nos levar para uma agência de turismo para nos vender pacotes e passeios superfaturados e que as vezes nem existem. Esse é um dos golpes daqui. Entramos no metro e não tinha muita gente na estação, mas os trens para todo lugar que queríamos ir estavam lotados. E como o metro tem vagão somente para mulheres, os outros tinham, majoritariamente, somente homens. Mas deu tudo certo. Fomos no templo que é em formato de uma flor de lótus, bem tranquilo e bonito. De lá fomos para a Connaught Place, que é uma praça circular com lojas e restaurantes no entorno. Almoçamos em um excelente restaurante, bem acima do nosso “padrão”, mas dentro do nosso orçamento. Comer aqui não é caro.

Depois desse dia vendo a vida como ela é, decidimos sair no outro dia com o motorista até porque os outros lugares que queríamos conhecer não ficavam próximos do metro. No domingo fomos conhecer o templo Gurudwara Bangla Sahib, onde eles servem comida de graça para quem quiser várias vezes todos os dias, no estilo bandejão, as tumbas de Humayun, que serviram de inspiração para o Taj Mahal e o templo Akshardham. Esse templo é o maior templo Hindu do mundo e tudo nele é muito cheio de detalhes. Muito bonito mas me pareceu mais um palácio do que um templo. Depois disso, o calor era tanto que voltamos para o hotel. Passamos o resto do dia na nossa bolha.

No dia seguinte saímos de Delhi com destino a Rishikesh, a capital mundial da Yoga. Não, não fizemos yoga. Acho que ninguém “faz” yoga, as pessoas vivem ela ou não. É um estilo de vida. A cidade não fica longe, uns 230km de Delhi, mas demorou de 6 a 7 horas. A viagem foi surreal. A estrada é infernal, o trânsito é anormal e a forma de dirigir não se aprende em nenhum manual. A rima forçada foi pra fazer uma gracinha, mas no dia não vi nenhuma graça. Buracos são uma constante, 60% dela é mão simples e metade tem pintura no asfalto, na outra metade não existe mão e contramão se não vier carro no contra fluxo. Circulam por ela qualquer coisa que tiver rodas, de carrinho-de-mão a caminhão. E acho que eles não entendem muito de física. Aquela lei básica de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço é testada a cada momento. E juro que vi ela ser quebrada algumas vezes. Chegamos sãos e salvos mas eu estava muito cansado e estressado, então ficamos no hotel e só saímos no dia seguinte.




No outro dia fomos andar por ai para conhecer lugares sagrados, ashram (centros de meditação e yoga) e nos acostumarmos com o ambiente. Começamos atravessando a Ram Jhula, a primeira das duas ponte suspensa sobre o rio Ganges, que deveria ser somente para pedestres, mas motos, vacas e macacos também utilizam. Do outro lado do rio é onde estão as principais atrações. É próximo da Ram Jhula onde fica o Parmarth Niketan Ashram, um centro de meditação e yoga. O lugar é bem famoso e procurado e é onde existe uma cerimônia todo dia. A outra ponte, a Lakshman Jhula, que fica mais perto do nosso hotel, deixamos para o período da tarde. Lá existem alguns templos e o melhor restaurante da cidade com vista direta para o rio e a ponte. O lugar é bem agradável e cheio de estrangeiros. Nos dois dias seguintes ficamos no hotel pela manhã e saímos apenas no final do dia para passear. Fomos acompanhar uma cerimônia nas escadarias do Parmarth. A cerimônia é bonita, cheia de cânticos seguidas de palmas e com todos sentados nos degraus da escadaria olhando para o rio. Quem puxa os cânticos é o Guru do centro. No final, candelabros de velas são acessos e passam de mãos-em-mãos e algumas pessoas colocam pequenas conchas de folha cheia de rosas e incenso no rio. Isso acontece todo dia no amanhecer e anoitecer. Como já era noite, voltamos para o hotel de tuk tuk.

Na volta para Delhi paramos na cidade de Haridwar, umas das setes cidades sagradas da Índia. Fomos ver todos banhando-se no rio, que ali, próximo da nascente, ainda é limpo. A devoção deles é muito grande e bonita de ver. Agora estamos de volta a Delhi e amanhã seguiremos para o Rajastão. A estrada estava melhor ou eu estava mais acostumado, não sei bem. Mas deu tudo certo. Pelo menos aquela lei da física que falei ficou comprovada hoje, não me restando mais dúvidas: um caminhão deu uma encostadinha no nosso carro numa rotatória já em Delhi. De leve. Nada demais. Só pra provar que as leis da física são mesmo universais. Nunca mais duvido.


Valeu.

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