Índia, Índia...
difícil falar sobre ela... a escrita não é fluida como costuma ser, mas sim
fragmentada por vários sentimentos que ela nos causa. A Índia mexe com nossas
emoções sem dó nem piedade. Ela causa desconforto em ver a pobreza e a sujeira
escancaradas a céu aberto, desconfiança das pessoas que te encaram fixamente e a
qualquer momento podem te aplicar um golpe, apreensão do trânsito caótico onde
você acha que vai morrer a cada 5 minutos com o carro andando na contra mão e
buzinando o tempo todo para os outros, que estão na mão certa, saírem da
frente. Leva-se um tempo para processar tanta informação...
Dessa vez
decidimos contratar um pacote com hotéis definidos e motorista particular todos
os dias. Não gosto dessa opção, me faz sentir numa bolha, vendo as coisas lá de
cima, não podendo sentir e viver o lugar. Mas foi a alternativa que nos daria
respaldo e segurança para poder relaxar, à medida do possível, e ver se
encontramos beleza por trás do caos eminente.
![]() |
Delhi, nosso hotel estrelado é o Krishna, logo atrás |
Chegamos
por Delhi e no primeiro dia queríamos apenas “sentir” a cidade, fazer aquele
reconhecimento de terreno tradicional que o Lucio sempre fala. A ideia era
pegar o metro e dar uma voltinha, mas o dono da agência recomendou que fôssemos
de motorista já que éramos novos no país. Fomos para Old Delhi onde pegamos um
riquixá e andamos pelo Red Fort e Jama Masjid, a
maior mesquita da Índia. O desconforto da chuva que começou assim que subimos
no riquixa, mais o choque do nosso primeiro contato com a realidade fez com que
o passeio fosse bem rápido, só para dar uma espiada.
No outro
dia dispensamos o motorista para ter mais liberdade e fomos de metro. Tão cheio
quanto o de São Paulo, com a diferença que existem vagões só para mulheres e os
demais são mistos. Nem pensei na possibilidade de me separar do Lucio e ir no
de mulheres, então fomos no misto que na verdade quase só tem homens. Difícil
de se sentir à vontade. Aliás esse é um dos meus incômodos na Índia, só se vê
homens, e muitos. Não vi uma mulher trabalhando, mesmo em funções tipicamente
femininas como limpeza e cozinha. Asiática então, devo ser a única no meio dos
1,2 bilhões de indianos. O metro funciona, mas a tensão é uma constante
principalmente quando chega e sai da estação, onde a vizinhança não é das
melhores. Nem pensar em pedir informação e demonstrar que estamos perdidos, o
negócio é andar para qualquer lado fingindo saber onde está. Fomos conhecer o Tempo
de Lotus, da religião Bahai, aberto a todos, independente da religião que se
pratica. Lá dentro não se tem nenhuma imagem para adoração, apenas um ambiente
silencioso para cada um rezar a seu modo. Depois fomos para Connaught Place, a
região central e mais arrumada da cidade. Seguimos a indicação de um
restaurante do Lonely Planet e, apesar de caro, achávamos que merecíamos depois
de nos aventurar pelo metro de Delhi.
![]() |
Lotus Temple |
Ok, já
sabemos como é o metro mas com motorista é bem melhor. Assim, iniciamos o dia pelo
templo Gurdwara Bangla Sahib e foi aí que descobri que as cores
podem ser o contraponto da paisagem agressiva da Índia. O contraste do branco
do templo com as cores das roupas despertou meu olhar que estava adormecido há
2 dias. A religião sikhs é praticada por 2% da população e prega a união das
pessoas onde todos são iguais e bem vindos. Todos o dias voluntários preparam
comida para distribuir de graça para qualquer um, independente de onde veio ou de qual classe social pertence. Pudemos conhecer a cozinha e
ver centenas de pessoas almoçando. Se quiséssemos poderíamos comer também, mas
ainda estava muito cedo para interações.
![]() |
Templo Gurdwara Bangla |
![]() |
Refeição para todos |
Depois fomos conhecer o Humayuns Tomb que inspirou o Taj
Mahal, muito bonito. E por fim o Tempo Akshardham, recém construído em 2005, onde
vimos pela primeira vez um buda na Índia, o mesmo que vimos em Hong Kong, mas
dessa vez com cara indiana. O templo é enorme, tem esquema rígido de segurança
e não se pode tirar fotos. Bonito, mas eu achei grandioso demais para ser um
lugar para reflexão.
![]() |
Humayuns Tomb |
Tivemos o
primeiro furto da nossa viagem. No templo Gurdwara abriram a minha mochila e
levaram minha nécessaire. Nada demais, basicamente alguns remédios de
emergência, mas ficou aquela sensação ruim de invasão. Um aviso para ficarmos
mais atentos.
De Delhi fomos
para Rishkesh, a cidade mundial da yoga onde o Rio Ganges ainda é limpo e pode
inclusive banhar-se nele. Bem menor e mais tranquila que Delhi, passamos uns
dias em meio à natureza, macacos, vacas, sadhus (santos) e bichos grilos que passam
meses meditando e comendo comida vegetariana.
![]() |
Nós 2 em Rishikesh: Ram Jhula |
![]() |
Lakshman Jhula |
![]() |
Templo ao lado da Lakshman Jhula |
Aliás a
comida indiana é irresistível em seu aroma e sabor. Quem precisa de carne com as especiarias da
Índia e os pães naan sempre frescos e quentes? E quem precisa de talher se o
melhor é comer com a mao usando o pao como apoio? Só paramos de comer o curry
indiano quando chegou nossa primeira dor de barriga da viagem. Ficamos de molho
uns dias deixando nosso organismo se acostumar com as novas bactérias.
![]() |
Curry de vegetais |
![]() |
Frango e carneiro ao curry e pao naan |
Acompanhamos
uma cerimonia religiosa na margem do Rio Ganges no pôr do sol. Foram 30 minutos de reza
cantada e no final as pessoas fizeram oferendas de flores e velas sobre o rio.
Enquanto ia ouvindo a cantoria me lembrei de ter lido que em uma das vertentes
religiosas daqui, não se faz pedidos, e sim agradece o que se tem. E foi aí que
me dei conta que na minha andança pelo mundo já fiz muitos pedidos, pedi para
as estrelas, para Alá, para Buda, para Jesus. Mas nunca agradeci. Aproveitei
então para agradecer, simplesmente por estar aqui, nesse país tão bruto, vendo
um mundo tão diferente e aprendendo a lidar com um sentimento a cada dia. E vamos caminhando...
![]() |
"A Índia também pode ser poesia", falei para o Lucio quando tirei essa foto antes da cerimonia religiosa |
Nenhum comentário:
Postar um comentário