Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Estamos em Fés

Bom pessoal,

Depois de uma exaustiva viagem desde Merzouga chegamos a Fés. Conforme planejado chegamos no final da tarde e com sol ainda fomos procurar nossa Riad (um palácio de tão bonito). Não foi tão difícil como em Marrakech. Talvez estejamos acostumados com as coisas por aqui. Com certeza ter passado por Marrakech serviu de aprendizado para "enfrentar" Fés.

Riad Les Chrisfis

Lembro que falei sobre as ruelas de Marrakech, então, aquilo eram avenidas. Passava até carro. Aqui na maior parte das ruas da medina não passa nem bicicleta. Mas ainda vemos os burros e cavalos transportando de um tudo. Um dia estávamos passando por uma ruela e travou geral. Era gente vindo dos dois lados, alguns parados, comprando e atrapalhando o fluxo. Então pensei em esperar um pouco de lado até que tudo voltasse ao normal, melhor que ficar entalado naquela bagunça, quando de repente apareceu um cavalo e abriu caminho no meio de todo mundo como que num passe de mágica. Tudo na maior tranquilidade. Os caras que orientam os cavalos assim como os que guiam os carrinhos de transporte saem gritando alguma coisa e todos saem do meio do caminho. Eles não param nunca. Outra diferença aqui é que existem lojas que vendem de tudo desde artesanato até ursinho de pelúcia e Samsung S4. Nas ruas principais o comercio é de coisas modernas como tênis e roupas de marcas esportivas e óculos ray-ban (innocent!!!). Somente nos Souks especializados é que se encontra os artesanatos que são reconhecidos em todo o mundo.



Fés é uma cidade mais antiga que Marrakech e parece que mais parada no tempo. Considerada a capital do artesanato do Marrocos, existe um Souk para cada tipo de artesão. Os que trabalham com ferro, os que trabalham com cerâmica, os com tecidos, tapetes e afins e principalmente os que trabalham com couro. Os cortumes são a grande novidade e atração de Fés. Visitamos o maior deles que segundo o guia foi cenário da novela O CLONE, como não vejo novela...  Aquilo é trabalho pra doido. Em muito lugares só o cheiro que o couro exala causaria um processo por insalubridade. É um trabalho exaustivo do inicio ao final. Primeiro eles lavam o couro com cal, depois colorem em tanques feitos no chão e depois de coloridos eles limpam o couro  que segue pra secagem. Todas as tintas utilizadas são naturais (dizem). São muitos homens trabalhando de sol a sol, de domingo a domingo. Mas é um orgulho para eles fazerem as coisas como sempre foram feitas. Vimos também os ferreiros que fazem todos os detalhes das peças, desenhos bem detalhados, à mão livre. Impressionante.

A medina é cheia de ruela e becos com muitas curvas e é muito fácil de se perder. O que mais vendem nos blogs/guias sobre Fés é que sem um guia você não consegue ir a lugar algum. Mas não é bem assim. Talvez se você quiser ir naquele restaurante especial ou coisa assim fora do circuito. Caso contrário existe um sistema de placas coloridas por toda a medina que direcionam todo mundo por interesse: artesanato, mesquitas, jardins etc. Você só precisa saber de onde vem e pra onde vai e um pouco de atenção para seguir as placas. O resto é coragem pra seguir os caminhos que elas orientam, porque mesmo assim entrei em ruelas que não entraria em nenhum outro lugar. Mas assim como uma viagem qualquer, muitas vezes o caminho é melhor que o destino. Assim é Fés. Os caminhos são cheios de surpresas.

Hoje é o último dia no Marrocos. Amanhã viajamos com destino a Israel e Jordânia. Valeu muito termos começado nossa viagem por terras tão diferentes e distintas quanto essas. Para finalizar deixo a foto da maravilhosa praça Jameel El Fna em Marrakech.

Valeu.



Fés: a vida como ela é

Nossa ultima parada, a cidade de cor amarela, tem a maior medina de Marrocos. Menos turística, portanto menos assediadores, conseguimos andar mais tranquilos pelo labirinto de ruas estreitas vendo a vida como ela é. E a vida aqui é bem das antigas...

Medina

O meio de transporte de carga é o burro, que passa apressado pelas ruelas abrindo espaço onde não tem. Vimos muitos artesãos produzindo seus produtos nas próprias lojas: utensílios de metal, panelas de cobre, vestimentas. Conhecemos um curtume e vimos o processo de tintura do couro que é 100% natural. Aqui você pode comprar a galinha viva, pedaços dela ou o frango assadinho, um do lado do outro, é só escolher.

Artesão mirim fazendo panela de cobre

Curtume e o processo de tintura do couro

Depois de uma semana comendo cuscuz e tajine, tajine e cuscuz, o paladar começa a pedir uma carne mal passada com cerveja. Como o primeiro é arriscado e o segundo é proibido nos países muçulmanos, começamos a variar o cardápio com comidas nada tradicionais. Meu prato favorito virou umas almondegas bem temperadinhas com molho de tomate apimentado e um ovo com gema mole. Para comer com pão.

Almondegas com molho, nada tradicional

Fés também serviu de parada técnica, para lavar roupa, estudar as próximas cidades, arrumar as mais de mil fotos que já tiramos. No final, já estávamos muito à vontade no meio dessa gente. O Lucio, de férias com a barba, era a todo momento confundido com marroquino, vinham falar em árabe com ele. É claro que ele se sentiu “o local”!!!

Vou embora bem feliz, conheci um país e uma cultura muito diferente de tudo que eu já tinha visto, e o que fica, é que no final, somos todos iguais. Famílias que vão ao parque no final de semana, casais que, apesar de manterem uma distância física, se conversam e se protegem, crianças que correm de um lado a outro, trabalhadores, cada um com a sua arte, que trabalham duro todos os dias, camelôs que fogem da polícia, comerciantes que sempre fazem uma venda... cada um, do seu jeito, levando a vida do jeito que ela é. 

Nós 2 e uma vista panorâmica de Fés

domingo, 27 de abril de 2014

Uma Noite no Deserto

Bom pessoal,


Depois de 5 dias em Marrakesh fomos em direção ao deserto para passar duas noites. Na verdade uma noite ficamos no Vale de Dades e outra noite no deserto. Como a viagem é longa eles dividem em duas noites e três dias. O terceiro dia é a volta.



O primeiro dia nós conhecemos uma vila berbere (povo nômade do deserto) chamada Ait Ben Haddou, que já foi cenário de vários filmes inclusive de parte de um episódio de Game of Thrones da segunda temporada. Depois de uma exaustiva viagem em uma van com mais 16 pessoas chegamos ao hotel-albergue em que passamos a noite. Um hotelzinho bem simples e mal conservado mas eu estava tão cansado que dormi feito uma pedra.



No outro dia já as 7:30 da manhã partimos para o deserto propriamente dito. Paramos somente uma vez para conhecer e explorar uma vila. Vimos as plantações e entramos em uma casa, que na verdade era uma cooperativa da vila para comercializar os tapetes produzidos ali. Segundo a "historinha" que nos contaram era uma vila de mulheres do deserto, nômades, viúvas e tecelãs, que produziam tudo que necessitavam e fabricavam tapetes para comercializar. Viviam agora na vila por causa do melhor acesso a escolas e hospitais para os filhos. Mas vender é uma habilidade que eles desenvolveram muito bem. Os homens fazem as vendas (mas não eram mulheres viúvas? Também não entendi). Depois da "historinha" sobre a vila e as mulheres e de como os tapetes são fabricados, eles apresentam todos os tapetes que tem. São vários modelos em três ou quatro tamanhos disponíveis. E ai entra a técnica para vender: primeiro eles mostram todos os tapetes. Enquanto abrem os tapetes vão contando histórias de cada modelo e de que tipo de lã são feitos: se de ovelhas ou de camelo. São uns 50 tapetes. Depois disso ele continua com as histórias enquanto vai dobrando tapete por tapete. Se houver qualquer interesse de qualquer um, ele separa o tapete para só no final, junto com o interessado, negociar o preço final na "sala de negociação". É um processo lento que dá tempo para a pessoa pensar, avaliar e ser convencida de que aquilo não pesa nada e que vai ficar lindo na sala da sua casa, seja no chão ou na parede. Tem uns bem bonitos. Bem interessante o processo. Três pessoas compraram. Depois da vila mais uma cansativa viagem com o destino final no deserto.



Chegamos no deserto mais ou menos 5 da tarde. Tem um hotel de apoio onde fazemos o check-in e nos dirigimos ao estacionamento de camelos para pegarmos nosso próximo transporte até o acampamento onde passamos a noite. No meio do deserto. A sim, isso mesmo, fomos de camelo para o acampamento. Todos em fila entre as dunas. Próximo ao acampamento descemos dos camelos e seguimos a pé. A areia é muito fina e difícil de andar mas chegamos. Deixamos as nossas coisas no acampamento, que eram poucas, porque a mochila grande ficou no hotel (para uma noite não se precisa de muita coisa ainda mais no meio de dunas e mais dunas) e subimos em uma duna para ver o pôr-do-sol. Não foi tão bonito quanto o que vimos em Marrakesh mas foi no deserto. Do Saara. Já no acampamento foi servido o jantar (comunitário) e depois tivemos uma apresentação de música ao redor de uma fogueira com muito uísque marroquino, ou seja, chá. O melhor era olhar para o céu e ver milhões e milhões de estrelas. A gente olha pouco para o céu a noite, mas também não há muito o que ver nas grandes cidades. Acordamos pela manhã para ver o nascer do sol de cima de uma duna bem maior que a do dia anterior. Fiz o exercício do dia todo antes mesmo do sol nascer. Depois subimos nos camelos e seguimos para o hotel.



Ok ok. Agora vamos ao lado B do passeio ao deserto. Até descermos dos camelos está tudo igual. Na verdade não deveríamos descer dos camelo, só no acampamento. Mas parecer que tinha um outro grupo de turistas "precisando" dos camelos, então seguimos a pé. Como o berbere soube? Ele recebeu uma ligação no CELULAR no "meio" do deserto. Chegamos. O acampamento estava como foi deixado pelo último grupo. Enquanto fomos ver o pôr-do-sol eles arrumaram tudo. Depois foi decidido em que tenda cada grupo de pessoas ia dormir. Ficamos por último e sozinhos em uma tenda que cabiam pelo menos mais duas pessoas. Melhor assim. Depois do sol ir embora a escuridão foi total. Tinham duas lanternas de vela em cima da mesa e só. Banheiro? Só para número 1. Número 2 era complicado. Banho? know nothing, inoccent!!!! Depois do jantar e de observar as estrelas começou o showzinho de música que mais parecia obrigação tamanha a vontade performática dos berbere (eram os mesmos que tinham guiado os camelos e arrumado as camas). Programa "Pega Turista" obrigatório no Marrocos. Dormimos com a mesma roupa do dia todo e foi com essa mesma roupa que passamos o terceiro dia inteiro, o dia do retorno para a civilização. De novo dormi feito uma pedra. Mas nossa excursão ia voltar para Marrakesh e nós queríamos ir para Fés. Falamos com o motorista ainda em Marrakesh sobre isso e ele nos deu duas opções: ônibus ou táxi. Para uma outra viagem de 6 horas acho que táxi era a melhor opção. Tinham mais 6 garotas que queriam fazer a mesma coisa. Um grupo de 3 canadenses e outro grupo de 3 italianas. Contratamos dois táxis e seguimos um dois grupos de 4 em cada táxi. O táxi era um Mercedes modelo 200 D (acho) mais velho que eu. Cinto de segurança? Inoccent!!! Chegamos. Estamos agora em Fés.


Dá pra fazer a ida ao deserto de forma mais confortável e mais autêntica mas ia custar 3 vezes mais. O comitê não aprovou verba extra.

Valeu.

PS.: Apesar de turismo low cost estávamos preparados para o deserto. Tínhamos lanternas e também lençol de viagem tipo saco.



O céu estrelado do Deserto do Saara

Não lembro quando foi a ultima vez que vi um céu tão estrelado... na verdade não lembro quando foi a ultima vez que olhei para as estrelas...

Saindo de Marrakech, fizemos um passeio para passar uma noite no deserto, daqueles bem mochileiro, que você passa alguns perrengues, mas no final sai todo mundo feliz. Foram 2 dias de estrada até chegar no deserto, fazendo algumas paradas turísticas. Em uma dessas paradas, tive uma verdadeira aula de negociação. Fomos conhecer uma associação que ajuda mulheres divorciadas e com filhos que moram nas montanhas. Eles as trazem para a cidade, oferecendo uma vida mais digna, educação para os filhos e algumas poucas horas de trabalho por dia confeccionando tapetes, um trabalho que elas aprendem quando crianças e fazem o resto da vida. 

Começa assim: antes de mais nada, eles nos oferecem chá, que significa que somos bem vindos. Aí ele conta uma historinha triste (a historia acima). Pede para uma das mulheres mostrar todo o processo de fabricação do tapete, 100% artesanal. Depois mostra uns 30 tapetes, um a um, com muita calma e paciência, ressaltando os atributos e a qualidade. Sempre diz que é para ficarmos à vontade, para apreciarmos, perguntarmos o que quiser, e somente comprar se realmente acharmos que vale a pena. Abertos todos os tapetes, começa a fechar, um a um, com a mesma calma e paciência, prestando atenção na expressão de cada um. Caso alguém esboce alguma reação ele só diz que vai separar e deixar do lado para que a pessoa possa apreciar mais um pouco... e continua a fechar cada um dos tapetes. Vai dizendo os preços ao acaso, sempre ressaltando que é o primeiro preço. Nesse ponto ele já conseguiu deixar a ansiedade dos possíveis compradores lá em cima. E então ele leva as peças selecionadas para outra sala e chama os interessados para fechar negócio. De um grupo de 7 duplas/trios, 3 saíram com um tapete na mão. Isso porque eram todos mochileiros sem dinheiro e sem espaço na mochila. Fantástico!!! Gastamos alguns mil reais para fazer MBA de negociação e eles aprendem assim... na vida.

Berbere mostrando os tapetes da associação

No final do segundo dia chegamos no deserto e fomos de dromedário até o nosso acampamento que ficava atrás das dunas. O acampamento consistia de umas tendas com colchão no chão, uma “casinha” com vaso sanitário e uma mesona no centro, para a refeição. 

Caminhando pelas dunas do Deserto

Nós 2 no Deserto do Saara

Vimos o sol se por de um lado da duna e nascer do outro lado. Nesse meio tempo jantamos à luz de velas à moda berbere (homens locais nômades) na qual cada um recebeu um garfo e comemos todos do mesmo prato. Depois teve um batuquezinho com fogueira.  


Festinha berbere

E foi depois do jantar que parei para olhar as estrelas, as mesmas que eu veria de qualquer outro lugar, mas que naquela hora, estava no Deserto do Saara, no meio das dunas, fazendo os meus pedidos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Começamos

Bom pessoal


Começamos. Com alguma dificuldade mas começamos nossa viagem. Dificuldade porque ainda no aeroporto em Guarulhos a pessoa da companhia aérea não queria nos deixar embarcar porque não tínhamos as passagens de retorno ao Brasil. Explicamos tudo e nada dela ceder. Ela disse que se chegássemos na Europa sem a passagem de volta não nos deixariam entrar e nos mandavam de volta. Explicamos que não estávamos indo para a Europa e sim para a África e que temos todas as passagens de entrada e saída para os próximos 90 dias e nada. Até que ela cedeu e disse que se quiséssemos ariscar ok. Então ok. No fim nem passamos pela imigração em Madri só em Marrakech.


E chegamos. Depois de mais de 20 horas chegamos em Marrakech. Encontrar o hotel, ou melhor, a Riad foi outra aventura. Pegamos um ônibus e descemos na praça Jamee el fna que é onde tudo acontece. Seguimos as indicações e chegamos em um beco. Isso mesmo um beco sem saída cheio de outros becos adjacentes e com muitas portas. Daqueles que não passam duas bicicletas uma do lado da outra. Será que é aqui mesmo? Sim, era. Chegamos e tocamos a campainha e nada. A vizinha da frente estava sentada na porta de sua casa então perguntamos se ali era ali mesmo. E era. Tocamos de novo e nada. Até que pedimos para a tal vizinha ligar para o cara pois estamos sem celular (o meu foi cancelado e o da raquel agora é pré sem credito). Logo logo o cara chegou e disse que estava na entrada do beco (o dito beco é longo, uns 200 metros, e em formato de L, da porta da Riad não dá pra ver a entrada). Ou seja, passamos por ele sem saber. Apesar da insistência de vários "amigos" quererem nos ajudar a chegar, não aceitamos. Nós apenas seguimos instruções claras dele mesmo no e-mail da reserva de não aceitar ou solicitar informações de ninguém. Dizem que por aqui qualquer solicitação de ajuda custa alguns Dihrans (moeda local). Não sei quantos porque não pedi nenhuma informação. O orçamento não comporta.
Riad é uma casa típica marroquina, quadrada com um pátio central para onde todas as janelas dos quartos são viradas, sem quintal, somente com uma porta externa. É simples, decorada com azulejos e plantas e tem também um terraço. Todas as riads tem terraço. Nosso quarto é no térreo portanto o pátio central é extensão do nosso quarto. Tem tudo que se precisa.

Tentar resumir Marrakech em um palavra talvez seja impossível, mas tem uma que chega perto: confuso. É isso, Marrakech é confuso. Confuso mas funciona. Confuso mas todos se entendem. Não existe mapa para andar pela Medina (bairro antigo), não existe língua que eles não falem, não existe desculpa para não comprar se você perguntar quanto custa. Sempre dá negócio. Cheia de ruelas e becos em todas as direções, comércios de todo tipo e qualidade, restaurantes em todo lugar. E os cheiros? Tem cheiro de tudo, tudo junto e misturado. Cheiro de pão feito na hora, cheiro de especiarias, cheiro de comida, cheiro de azeitona fresca, de chá de menta, cheiro de cocô de cavalo e de mofo. Talvez isso seja o que mais impressiona: o cheiro. O cheiro e a multidão de pessoas que vem e que vai pelas ruelas e becos não se sabe de onde ou para onde. E não é só gente que passa pelas ruelas. São bicicletas, mobiletes, carroças e até carro. Tem-se sempre a impressão de que você está sendo seguido, pois tem sempre alguém atrás e muito próximo à você. Ai você para para saber o que acontece e a pessoa simplesmente passa como se você não existisse. Insegurança mesmo só na nossa cabeça acostumada com a desconfiança geral.

Na praça Jamee el fna tem de tudo. De "encantadores" de serpente com sua musica insuportável depois do segundo dia a barracas de comidas típicas. Aqui come-se bem e barato. Cuscuz e tarine são as comidas mais comuns. Além do pão claro. Comemos em alguns restaurantes e também nas barracas de comida da praça. Visitamos os principais pontos turísticos da cidade como: o palácio Bahia, as ruínas de outro palácio, o jardim de Menara e mesquita. Mas o principal de tudo é a Medina e essa nós vivemos. Um aviso: caso você goste de viajar e fazer comprinhas tipo coisa de decoração, lembranças, tecidos, lanternas de metal, não venha para Marrakech, talvez você tenha que voltar de navio.

Esse é meu primeiro contato com a cultura e com povo árabe. E tudo é muito bom. Depois desse pequeno espaço de tempo deu para perceber que eles são muito simples, práticos e divertidos, sempre com um sorriso no rosto pra te receber mesmo que você recuse a oferta.

Valeu



Marraquech: tudo ao mesmo tempo, agora!

Após 18 horas de voo internacional (incluindo a conexão), cansada e sem dormir, um calor dos infernos, com a mochila mais pesada do que deveria, meu primeiro pensamento quando me deparei com a cidade foi: “quem teve a ideia de jirico de colocar Marrocos no roteiro, e ainda por cima ser a primeira parada?”
Marraquech, nossa primeira cidade, é assim: tudo ao mesmo tempo, agora! A cidade de uma cor só, vermelha, foi um bom teste cultural para os nossos próximos destinos. Ela é intensa... em todos os sentidos. Precisa de um coração grande e uma mente bem aberta... e não é para isso que viemos? Então vamos lá!
Ela é barulhenta, muito barulhenta. É a música que os encantadores de cobras ficam tocando o tempo inteiro, os chamados para as orações, as buzinas das motos e os vendedores atraindo turistas em todas as línguas.
Ela cheira a camelo, macaco, cavalo e xixi. Mas também tem o cheiro de várias especiarias, ervas e das olivas. Cada beco tem um cheiro, que nos leva a outro patamar, esquecendo da loucura e mostrando um pouco das tradições.
Ela é bagunçada, suja e pobre. Muita gente, a maioria daqui, mas muitos turistas também. Cada um sabe o seu caminho, no meio da desordem ordenada. As ruas pequenas comportam de igual para igual, pessoas, bicicletas, motos, cavalos e carrocinhas. As mulheres todas de véus contrastam com as turistas de short e regata. E os homens nos seus trajes típicos, cada um com seu celular.


Transito de gente na Medina

Medina

Iniciamos também nossa dieta de mochileiro que consiste em um café da manhã com bastante carboidrato, um almoço mais caprichado, pelo menos para garantir a proteína do dia, e a janta nas barraquinhas de rua. E barraquinha de rua é barraquinha de rua. Ponto. A higiene não é das melhores, eles usam a mão para tudo. Para cumprimentar, trocar dinheiro, arrumar a mesa e trazer o pão, que chega de mão em mão, direto na mesa, sem toalha. Ignorando o caminho do pão, ele é um dos melhores que já comi. Já experimentamos vários tipos de cuscuz marroquino e tajine, sempre acompanhado do cheiroso chá de hortelã. Estamos fortalecendo nossa flora intestinal e criando mais resistência com novas bactérias internacionais. 

Tajine de frango

Cuscuz marroquino
Barraquinha de rua

A Praça Jamma el Fna, declarada patrimônio da humanidade pela Unesco, é a representatividade de todo o caos da cidade. Fica no início da Medina (cidade velha) e todos passam por lá, turistas e locais. Durante o dia tem as serpentes, macacos, barracas de suco de laranja, vendedores ambulantes, mulheres que fazem henna. À noite o lugar se transforma com a montagem das barracas de comida e os shows dos artistas de rua. As serpentes e os macacos continuam lá...


Praça Jamma el Fna

Terminei minha passagem por Marraquech pensando: Sim, ela é irritante, tem horas que dá vontade de furar os olhos das cobras, de derrubar as motos e deportar (não sei pra onde) todos os caras que ficam abordando os turistas. Mas fui me acostumando, aprendendo a andar do lado certo nas ruas, sabendo o jeito de sorrir e dizer não com educação, me deliciando com os aromas pelos mercadinhos, me fazendo mais feliz com as comidas condimentadas, apreciando o comercio local, enfim, fazendo parte de toda aquela bagunça.


Souks: mercados dentro da Medina

Camelôs na Praça

Quando já tinha fechado minha percepção sobre a cidade, fui agraciada pelo último pôr do sol, que deixou o céu todo vermelho, e me fez pensar: “é para deixar uma tarde rolar, e ver um pôr do sol lindo desse jeito, que estamos aqui... e tudo isso faz valer a pena.” 


Meu pôr do sol em Marraquech

Nós 2 no Jardim Menara

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Aviso aos Navegantes



Este Blog NÃO é um guia de viagem. Este Blog é um “diário de bordo” do nosso ano sabático. Todas as postagens referem-se as experiências vividas e destinam-se a parentes e amigos com o objetivo de manter a comunicação\acompanhamento da nossa aventura. Nenhuma informação aqui contida tem como objetivo estimular ou desestimular futuras viagens aos destinos por nós visitados por qualquer pessoa. Solicitamos que nenhuma informação deste blog seja divulgada sem nossa autorização ou fora de contexto. Muito obrigado e boa vigem.

O Sabático

Bom pessoal,
Esse negócio de querer juntar todas as férias da vida no mesmo ano, o sabático, surgiu quando fui para a Amazônia (sozinho) em 2012 e fiquei hospedado em uma pousada flutuante na Reserva Mamirauá, cidade de Tefé-AM. Eram 16 hospedes na pousada e eu era o único brasileiro-hospede. Lá conheci um “blogueiro” americano que tinha como vida viajar. Nessa etapa, sua missão era viajar por três meses por toda a região amazônica começando no Suriname, Guianas, Brasil e Peru. E conheci também um casal alemão que estava viajando há 8 meses. Já tinham conhecido a Oceania, África e naquele momento estavam começando a etapa da América do Sul. Depois da Amazônia iriam ainda para o Pantanal, Rio, Foz do Iguaçu e outros pontos na Argentina, Chile e outros. Por falta de vocabulário e timidez não fiz muitas perguntas. Tinha várias. Vocês são ricos? Tem Filhos? Enlouqueceram? Estão doentes? Os 04 dias foram suficientes para sai de lá com esse vírus dos alemães incubado (na mente). Chegando em casa contei a história toda pra Raquel e perguntei: E ai, vamos dá um volta ao mundo? “Vamos”.
Não foi tão simples assim. Tínhamos que avaliar muita coisa: emprego, carreira, filhos, família, patrimônio, futuro. Para começar fizemos dois roteiros: um sentido horário e outro sentido anti-horário a partir do Brasil. Colocamos no papel todas as informações necessárias, lugares imperdíveis, países, cidades, datas, valores de tudo, limite de orçamento etc. No final cometemos um grande erro: colocamos no papel não só o que iriamos gastar mas também o que iriamos deixar de ganhar abrindo mão dos nossos empregos por pelo menos um ano. E ai, desistimos. Se você colocar esse tipo de calculo no papel, você não tira nem férias de 30 dias. É um buraco muito grande em qualquer planejamento financeiro de longo prazo.

Mais de um ano depois, tiramos essa conta da planilha, reavaliamos o tamanho das nossas necessidades financeiras, ponderamos o futuro (incertezas), redefinimos o roteiro, refizemos o orçamento e decidimos: “Então vamos”. Agora sim.

Valeu.

Porque um ano sabático

Quando o Lucio propôs "vamos dar uma volta no mundo", na hora, gostei da ideia, mas até a decisão efetiva, foi um bom tempo. A ideia de largar tudo, colocar a mochila nas costas, se aventurar, e voltar sem ter nada certo, era ao mesmo tempo tentadora e assustadora. Passamos meses conversando, fazendo conta, refazendo conta até que decidimos. E desistimos. Mas a ideia não ia embora... até que um dia percebemos que não precisamos de muito para ser feliz, gostamos das pequenas coisas, do simples, do essencial! Pronto, a decisão estava tomada.
Toda a minha vida foi regrada nos moldes tradicionais que a sociedade espera. Boa filha, boa educação, bom emprego, bom marido, boa vida. Tudo muito certinho, seguindo padrões e atendendo expectativas. E de verdade, nunca me questionei sobre o rumo das coisas, apenas fui seguindo o que achava que tinha que fazer.
Sabe aquela história “pára o mundo que eu quero descer”? É mais ou menos isso que eu quero. Eu quero fazer uma pausa, quero sair do óbvio, quero me questionar, quero aprender a rir, quero chorar mais, quero sentir saudades, quero aprender a escrever, quero perder o medo de barata (esse é essencial... já estou mentalizando o que vou fazer quando encontrar uma baratona voadora nos albergues da Ásia...), quero perder um voo, quero me perder, e quero me reencontrar, para poder voltar, diferente, com outros olhares e outros significados.
Um grande amigo nos disse na despedida "aproveitem a oportunidade de viver algo sensacional em suas vidas, viajem leve de "equipamentos" e voltem pessoas melhores". Isso resume muito o que queremos fazer. Queremos cuidar da alma, que a tia Lydia traduziu muito bem como "queremos entrar em contato com nossos desejos mais profundos e buscar o verdadeiro sentido de nossas vidas".
Esse projeto de vida só faz sentido porque o Lucio estará comigo. É muito especial termos tomado essa decisão juntos e estarmos dispostos a nos conhecer como indivíduos e como casal em um intensivão de 24 horas/dia, todos os dias, por 365 dias. Ele sempre diz "te amo pra sempre mas pra sempre não é todos os dias"... e é com essa verdade que nos amamos e vivemos todos os dias.
Entre loucura e coragem, estamos construindo nossos caminhos e sabemos que isso nos mudará para sempre. Nos despedimos de nós mesmos, como somos hoje, e nos reencontramos daqui a 1 ano.
Quero finalizar com um presente que recebi do mesmo grande amigo que citei acima. Joao, muito obrigada!

Instantes, de Jorge Borges
Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.
Claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos - não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas, e se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

Eu, Raquel Sakurai

Tenho 36 anos, nasci em Mogi das Cruzes, mas sou paulistana de coração. Administradora, trabalho há 13 anos na área de Recursos Humanos, período que aprendi e me desafiei, trabalhando duro e conquistando muito do que queria.
Viajar sempre foi uma paixão, embora tenha viajado muito menos do que gostaria nos últimos anos por conta da correria de nossas vidas corporativas. Já viajei para grandes metrópoles, já fiz trekking em cidadezinhas sem nada, já fiquei em resorts bem chiques e até já acampei (uma vez, para ter opinião... e tive uma opinião). Pra mim, o mais importante é a experiência de sair do lugar comum e vivenciar um pouco do incomum. Sempre que retorno, penso que o mundo é muito grande para eu ficar só em um pedacinho dele.
Sou casada com o Lucio há 9 anos.  Cearense de cabeça chata, mora em São Paulo há 15 anos e para ele, "bom é o lugar onde você está". Contador por formação e contador de histórias por vocação, é uma pessoa que todo mundo gosta de ter por perto. Meu parceiro de viagens, é bem menos fresco do que eu e sabe lidar bem melhor com os imprevistos do que eu. É um mapa ambulante, conhece os lugares sem nunca ter estado, adora se passar por local e morre de vergonha quando eu tiro fotos das comidas nos restaurantes. É meu companheiro de todas as horas, que me inspira a sonhar, que me faz rir, que me faz ver as coisas de outras maneiras.
Somos muito diferentes: eu sou certinha, planejada, chata, disciplinada, racional, faço hoje o que pode ser feito hoje. Ele é engraçado, tranquilo, sonhador, sociável, não esquenta a cabeça, deixa para amanha o que pode ser feito amanha. De alguma forma essa diferença dá certo, tanto é que decidimos passar 1 ano juntos, compartilhando nosso sabatico, em uma viagem de transformação.

Temos em comum a consciência de nossa individualidade e de nossa relação como casal, o respeito e a admiração um pelo outro, a convicção de nossas bases familiares e um enorme desejo de descobrir o mundo, descobrir outras verdades e nos descobrir. E isso é bem suficiente!

Eu, Lucio Braga

Bom pessoal,
Acabo de fazer 40 anos, e os últimos 15 morando em São Paulo. Antes disso morei em vários lugares. Todos no nordeste. Sou de Fortaleza, mas depois de morar tanto tempo em Sampa, já me considero um “cearistano”: um cearense paulistano.
         Falo muito, interrompo as pessoas, tento sempre antecipar o que vão dizer e quase sempre erro. Tento também me conter, mas pelo menos uma vez em uma conversa faço novamente. Mas também sou bom ouvinte.
            Tranquilo, calmo, paciente e resiliente. Aprendi desde cedo com meus pais a ter paciência e aguardar o momento certo. "Tem momento pra tudo nessa vida". Sei que as coisas não caem do céu e que quem fica parado é poste, corro atrás do que quero e acredito, busco o que desejo, mas sei esperar. É isso.
           Sou um cara simples. Gosto de conforto, de viver bem, mas não preciso de muito. Não preciso de carro do ano, do último modelo de TV ou computador ou celular, nem de coisas bonitas que não vou usar. Preciso sim de uma boa câmera fotográfica (tenho algumas mas estou "precisando" de outra). Meu hobby é fotografar, além de beber cerveja e vinho. Gasto com o que gosto.
Gosto de ser engraçado (deve ser coisa do sangue), de divertir, de fazer rir, de rir, de contar histórias e escutar causos. Só com os amigos e família. Também sou tímido.
Sou intuitivo, faço coisas porque sim e deixo de fazer outras porque não. Sem mais detalhes. Às vezes gosto sem motivo e às vezes não simpatizo sem razão. A vida é muito curta pra ficar pensando na morte da bezerra a todo momento. Não preciso seguir o roteiro mas preciso ter um destino.
Eu e a Raquel estamos casados a 9 anos (sem contar o ano de test driver) e não temos filhos. Deve ser muito bom, legal, mas ainda não. Quem sabe. Nosso foco esse ano, o ano do nosso décimo aniversário de casamento é viajar e conhecer o mundo.
A Raquel é linda, brava, lógica, tudo tem que fazer sentido e ter uma razão. A frase padrão dela é: me convença. Porque sim ou porque não pra ela definitivamente NÃO É RESPOSTA. Ela também é meio sem graça, não é muito divertida. Não ri de nada, só de mim e do The Big Bang Theory. E eu rio muito dela. Aliás rimos bastante juntos. Justa, correta e inteligente (deve ser coisa do sangue), ela também é uma excelente cozinheira. Faz um pouco de tudo, menos doce, e muito bem. Aos domingos a cozinha é dela, é o seu mundo. Posso dizer que passo muito bem. Sempre preocupada com a qualidade de vida busca equilibrar tudo: alimentação, trabalho, vida pessoal, exercícios, família etc.
Eu sou contador de profissão mas ela é o financeiro da casa. Temos uma única conta bancária e portanto um "único" salário. Resolvemos todos os gastos junto, dos menores aos maiores. Tudo é discutido e aprovado em "comitê" com maioria simples. Se houver empate o voto de minerva é dela, lógico. Para essa viagem, o "comitê" definiu o orçamento: será um sabático low cost, com hospedagem em hostel e utilização de transporte público. Mas eu que estou fazendo as reservas nos hotéis. Pelo menos assim eu garanto que não vamos voltar com mais dinheiro do que quando começamos.
Eu a amo muito. É a mulher da minha vida (e dos sonhos): simples, prática, independente, sem frescura, que gosta de viajar, beber e comer bem. Capaz de viver por um ano com o que consegue carregar nas costas. E principalmente me suporta. Gosto de dizer pra ela uma frase de uma música do Osvaldo Montenegro: "Te amo pra sempre, mas sempre não é todo dia". Não faria essa viagem com mais ninguém.
Pra terminar, li um texto sobre viagem e gostei muito. Bem apropriado. A pessoa dizia que foi viajar e não voltou. E acho que é isso vai acontecer com a gente. O EU que vai começar esse sabático provavelmente não deve voltar. Quem vai voltar será uma outra pessoal que ainda não conheço. Acredito ser impossível voltar o mesmo depois de ver tanta coisa, de presenciar  tantas formas de se viver, de assistir como pequenas coisa para alguns é o mundo para outras, de constatar que precisamos de tão pouco. Quando começamos a pensar em fazer essa viagem me perguntaram o que eu mais temia, e eu disse que era encontrar meu lugar no mundo e não poder ficar lá o resto da minha vida. Mas pensando melhor isso já aconteceu. Aprendi também como com meus pais que o meu lugar no mundo é onde eu estou agora, ou seja, "bom é onde estou".

Valeu