Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Feliz Ano Novo

Dentre muitas histórias que ouvimos por ai, gostaríamos de compartilhar uma delas, é sobre o deus hindu Ganesh, um dos mais populares. Primeiro algumas explicações se fazem necessárias. No hinduísmo, que tivemos mais contato na Índia e no Nepal, existem mais de três milhões de deuses e infinitas histórias sobre eles. Muitas vezes a mesma história tem várias versões. A história que queremos contar é sobre o deus Ganesh que tem corpo de homem (um menino), cabeça de elefante (como ele ficou assim é outra história) e o seu veículo é um rato. Além de ser o deus da prosperidade e da fortuna ele também é o guardião do exército celestial. A história é de como ele se tornou o guardião do exército celestial e a versão foi uma que escutamos no Nepal. É claro que não nos recordamos exatamente das mesmas palavras, portanto talvez essa seja mais uma versão das infinitas histórias do hinduísmo.

Diz a lenda que o deus Shiva convocou todos os deuses para uma competição e quem a vencesse se tornaria o guardião celestial. A competição era bem simples: o primeiro que desse uma volta ao mundo seria o vencedor. Ao tomar conhecimento da competição Ganesh ficou muito preocupado pois imaginava que tinha poucas chances de vence-la já que seu veículo era um rato. Sem saber exatamente o que fazer, Ganesh retornou para sua vila onde viviam seus parentes e amigos. Depois de algum tempo junto das pessoas que ele mais queria e amava e de refletir bastante sobre a sua situação, ele acabou percebendo que aquele era seu mundo, que sua vila e as pessoas que ele amava eram sua vida e seu mundo e portanto ele tinha finalizado o desafio. Ao retornar para o local de chegada todos ficaram muito surpresos e queriam saber como ele tinha conseguido completar a jornada de volta ao mundo mais rápido que os demais. Ele contou o que tinha acontecido e o deus Shiva ficou satisfeito com a explicação, proclamando-o guardião do exército celestial.

Portanto, em 2015, nós desejamos a todos vocês que deem várias voltas ao mundo, muitas vezes no ano, estando próximo das pessoas que vocês amam. E mesmo que elas estejam distantes, que vocês sintam que quanto mais longe, mais perto elas estão de nós, em nossos corações e mentes.


Feliz 2015 para todos.

Lucio e Raquel

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Laos sem pressa

Laos foi um lugar para deixar o tempo passar no meio da paz e da tranquilidade. É verdade que não se tem nenhuma grande atração turística, mas a simplicidade e a gentileza desse povo nos faz querer estar lá, simplesmente por estar.

Existe uma risada gostosa por todos os lados, aquela risada com vontade porque realmente é verdadeira. Talvez porque, apesar da pobreza, parece que o que é mais importante, a família, está sempre por perto. Crianças cuidam de crianças, mães cozinham para a família, pais brincam com os filhos, todos cuidam dos idosos e todos estão juntos sempre. O governo incentiva que todos tenham o seu próprio negócio, que em geral é uma vendinha, bem vendinha mesmo, na porta de frente da casa. E passam o dia lá, sentados num banquinho, conversando entre eles, entre os vizinhos, almoçam e jantam na calçada todos juntos, sem pressa pra nada.

Da fronteira da Thailandia fomos de barco até Luang Prabang, uma viagem de 2 dias descendo o Rio Mekong. Um barco que foi lento, desviando das pedras, em meio à natureza, legal no começo mas no final do primeiro dia já estava entediada achando que era melhor ter ido de ônibus pela metade do tempo. Ainda bem que o Lucio me lembrou que estamos no nosso ano sabático, sem pressa, para curtir, e afinal, quando teríamos a oportunidade de viajar de barco de novo? E assim fomos, no ritmo do barco, até nosso primeiro destino.

Luang Prabang é um charme, uma cidade toda arrumadinha que mantém sua fachada da época da colonização francesa. Andando pelas ruas existe uma paz difícil de explicar, ruas limpas, silenciosas, templos e escolas para monges, tudo isso envolto pelos rituais budistas como a ronda das almas, o tocar dos sinos às 4 e às 16 horas, a reza às 18 horas.

Ponte ligando as vilas de Luang Prabang

A ronda das almas é muito bonita, os monges passam todas as manhãs lá pelas 6 horas pelas ruas da cidade, descalços e com a cesta para receber os alimentos doados pelos moradores. Talvez mais bonito que isso é a devoção das senhoras que acordam mais cedo ainda para preparar o stick rice e os esperam nas suas portas todos os dias. Fomos ver o ritual 3 das 6 manhãs que ficamos na cidade.



Desde a Tailandia tenho observado e pensado nos monges. A ideia que tinha era de um senhor oriental serio que vivia apartado de tudo, um ser soberano que vivia de ar. O que vi em minha andança por aí são jovens, risonhos, brincalhões, jogam bola, alguns fumam, todos tem celular, fazem turismo, compram lembranças. Em LP se tem muitos estudantes de monges, uma forma dos meninos terem boa educação já que as escolas são caras. Eles precisam de cerca de 6 anos para completar a formação. Muitos não se tornam monges, mas quase a maioria dos homens estudaram nos templos em algum período de suas vidas. 

O mercado noturno é outra atração gostosa, uma rua grande que se transforma à noite com as barracas vendendo roupas, lenços, pinturas e souvenires. As laosianas são muito cuidadosas, arrumam cada detalhe da sua barraquinha, não ficam gritando querendo chamar os turistas, e não fazem qualquer negócio, valorizam suas mercadorias sendo justas no valor. Fomos lá quase todas as noites.



Ficamos 6 dias na cidade, “presos” esperando o tempo de processamento do visto vietnamita. Andamos por ali, de um lado do rio, do outro lado do rio, visitamos alguns templos e fomos conhecer a cachoeira Kuang Si, distante 45 minutos da cidade. Uma cachoeira muito bonita que ao longo do caminho vai formando varias piscinas de calcário.



A comida é muito boa. Eles usam várias ervas, principalmente o capim limão e o coentro. O sabor é intenso mas suave, sem pimenta, e como acompanhamento, se não o principal, é o stick rice, um arroz bem grudento parecido com o motigome mas mais duro. O melhor de tudo é comer com as mãos, faz umas bolinhas de arroz com a mão, junta com a comida que em geral não tem muito liquido e manda ver. Ah, porcausa da colonização francesa tem muitas padarias com baguete. Matamos saudades de um pãozinho francês.

Frango com legumes e leite de coco, delicia!

Peixe do Rio Mekong, divino!

Frango com bambu frito, sensacional!

De lá fomos para Nong Kiaw, uma vilazinha a 3 horas e muitas curvas de Luang Prabang. Ela é bem pequena, cercada de montanhas. Faz muito frio, já tinha me esquecido da sensação do frio e quase não tenho roupa já que depois do trekking do Nepal despachei quase tudo de frio que tinha. Subimos no view point, uma caminhada de 1h30 para uma visão espetacular da cidade, lindo. Depois alugamos uma bike e fomos andar por aí, parando para conhecer uma caverna no meio do caminho e passando por algumas vilas locais.

Vista do view point

Nós 2 na ponte da cidade que liga o lado turístico e o lado local

Porque simplicidade pouca é bobagem fomos mais para o interior ainda, em Muang Ngoi, outra vilazinha a 1 hora de barco de Nong Kiaw. Até o ano passado não tinha energia elétrica e hoje, apesar de ter um lado turístico com pousadas e cardápio em inglês, ainda mantem muito do seu dia a dia sem interferências ocidentais. A rua principal é a única da cidade, de terra, com casas muito simples, todas com um mini comercio na frente. À noite eles acendem uma fogueira e juntam a família toda em volta para comer e se aquecer. Caminhamos um dia todo para conhecer uma caverna e mais adiante uma vila mais simples ainda, com casas de palhas, mesmo assim cada uma com sua lojinha na frente, fogareiro, família reunida, jogo de bola, meninos brincando de pião, cada um no seu ritmo. Comemos em um restaurante, na verdade o único da vila, onde a senhorinha foi buscar na horta os legumes que iríamos comer. Não tem como um simples fried rice com ovo e legumes não ser sensacional.

Rua principal
Hill Village

Vendinha na frente de casa

Voltamos de barco para Nong Kiaw e de lá fomos para San Neua, uma cidade fria no meio da montanha, distante 10 horas, muitas curvas e muita poeira. As estradas do Laos são as piores que já andamos, vão contornando as montanhas e de tempos em tempos passamos por uma vilazinha aqui outra ali. Paradas para banheiro é no meio da estrada, cada um vai atrás do seu matinho e se arranja por lá. Uma diversão.

A atração de San Neua são as cavernas de Vieng Xai, distante 1 hora da cidade. Foi lá que o governo comunista conseguiu se proteger dos constantes ataques dos Estados Unidos entre os anos de 1964 e 1973. Casas, escolas, hospital, sede do governo, tudo funcionava nas cavernas da região onde o povo se escondia. Uma história tão recente ainda carrega suas marcas, algumas bombas que não explodiram no lançamento representam riscos para a população e o solo só deve se descontaminar daqui a 20 anos. Esse período foi conhecido como Guerra Secreta porque na época todos os olhares eram para a Guerra do Vietnã, mas a verdade é que o Laos foi o país mais bombardeado da guerra.

Sala de estar em uma das cavernas que era escritório político

De lá atravessamos a fronteira para o Vietnã em outra viagem de 10 horas. Quando a viagem é longa e inclui uma fronteira, em geral os ônibus são bem ok. Bom, não foi esse o caso, pegamos um micro ônibus bem velhinho, apertado e abarrotado de laosianos e vietnamitas. Claro, naquelas estradas um ônibus grande não conseguiria andar. E lá fomos nós, para a estrada mais poeirenta e esburacada que já andamos, com direito a ônibus quebrado e saquinhos de vômitos sendo jogados pelas janelas. Diversão garantida, para eles, assistindo os dois turistas no meio da poeira. Ah, quando vamos ter oportunidade de viajar assim de novo?

Onibus quebrado no meio do caminho empoeirado

E assim foi o Laos, curtimos o país sem pressa, em meio à paz, tranquilidade, monges, montanhas, frio, estradas empoeiradas, comida boa e gente do bem. E como isso faz bem. Bem pra alma, bem pro coração. 

Laos

Bom pessoal,


Entramos no Laos pelo norte, na fronteira com a Tailândia. O que separa os dois países nessa região é o rio Mekong. Estava na expectativa de cruzar a fronteira de barco (seria a primeira vez), mas os dois países construíram uma ponte e fizemos a travessia de ônibus. Tudo bem porque passamos esse mesmo dia e o outro dentro de um barco no mesmo rio. Foram dois dias, com uma parada para dormir em uma vila, dentro de um barco. No primeiro dia foram 7 horas e no segundo mais de 9 horas. Deu para tempo para achar todo muito bonito e tudo nem tão bonito assim. No caminho somente floresta e montanhas. Mas valeu.

Barco-Ônibus

Nosso destino era Luang Prabang, uma das melhores surpresas de toda a viagem. Uma cidade no coração da floresta que me surpreendeu de várias formas. Primeiro pelo clima: nessa época do ano a temperatura durante o dia fica em torno de 25º e durante a noite chega a 18º, bem agradável. Outra surpresa foi a cidade em si: todo o centro antigo é em estilo colonial francês, com casinhas muito bonitas, tudo muito arrumado, tranquila, com bons restaurantes, padarias, cafés e hotéis, os templos tem muros baixos (se pode ver de longe) e a feira noturna que acontece todos os dias é uma beleza: sem ninguém gritando, falando alto, oferendo coisas insistentemente para você comprar, com alguns produtos bem bonitos e com um setor de comidas todo especial. Cidade para se morar. Outra coisa surpreendente foi a comida: mais sofisticada que a de Myanmar, menos apimentada e com mais sal que a da Tailândia e com um tempero próprio muito gostoso (eles utilizam muito coentro e tamarindo nos molhos). Ah, aqui tem pão francês (bagete) e todas as maravilhas de uma padaria. Entramos até em restaurantes sem nenhuma pessoa, contrariando nossas regras básicas, mas não nos arrependemos. A comida foi sempre muito boa. Ok, teve um dia que passamos mal, mas faz parte. Talvez tenha sido a pipoca.

Rua principal
Feira noturna
Tuk Tuk

Passamos seis note em Luang Prabang e isso nos deus oportunidade de andar muito e conhecer bem o lado mais turístico dela. Ficamos todo esse tempo porque fizemos a solicitação do visto para o Vietnam e ele iria demorar dois dias úteis. Como solicitamos numa quinta, ele só ficou pronto na segunda. Visitamos todos os templos e curtimos muito fazer nada. Fomos também conhecer uma região com várias cachoeiras que é obrigatório para quem visita a cidade. De Luang Prabang tínhamos dois roteiros: descer para o sul com destinos a Vang Vieng e depois Vientiane, a capital, e depois pegar um avião para o Vietnam ou subir para o norte, conhecer as cidades de Nong Khiaw, Muang Ngoy, Sam Neua e Viang Xai, e depois pegar um ônibus para Hanoi no Vietnam. E decidimos fazer o caminho do norte. Foi uma boa decisão porque fomos a lugares pouco frequentados por turistas mas por outro lados, pelo mesmo motivo, também não foi uma decisão muito boa. Enquanto fomos a lugares bonitos e inexplorados, também tivemos que aguentar trajetos de ônibus quase insuportáveis. O mais difícil no Laos foram os deslocamentos quase infinitos que fizemos.




De Luang Prabang para Nong Khiaw foi a parte fácil: foram quase 4 horas em uma van. Chegamos e podemos constatar que não tinha muita coisa para ver na cidade como era esperado. As grandes atrações são as cavernas e fazer um passeio de barco pelo rio, indo para vilas, cachoeiras e fazendo kayaking. Alugamos uma bicicleta e fomos conhecer a caverna e passear por ai, no dia seguinte ao invés de fazer o passeio de barco, pegamos um barco-ônibus e fomos para uma das vilas (1 hora de barco rio acima), Muang Ngoy, e ficamos por lá mais duas noites. Bem mais remota que a primeira, Muang Ngoy tem uma rua principal e única, e não muito mais. Visitamos outra vila próxima, mais uma caverna e andamos bastante. Essa vila é bem tranquila, sem carros, motos, iluminação pública, todos os restaurantes fecham as 21hs e você sempre é acordado pelo canto dos galos. E eles são muitos. Mas não se preocupe, também tem boa comida e internet. Quem precisa de mais? E a cada cidade que avançamos para o norte a temperatura cai mais ainda. Teve noite que estava abaixo de 10º. Não esperávamos por isso.

Nong Khiaw
Muang Ngoy
No dia seguinte foi um dos dias mais difíceis que tivemos. Saímos da vila as 9:30 e chegamos na rodoviária da Nong Khiaw as 10:30. Compramos o bilhete para Sam Neua e a van deveria sair as 12:00 mas ela só chegou às 14:00. Partimos pouco tempo depois para uma viagem de 10 horas por estradas de serra, com muitas curvas, pouco asfalto, sendo jogado para todo lado. Algumas pessoas enjoaram na Van (coisa bem comum por aqui) e para me distrair fui conversando com o outro estrangeiro que tinha no carro. Ele era da Califórnia. Chegamos em Sam Neua já era meia noite e fomos direto para o hotel indicado pelo motorista da Van, ele também ficou lá. No dia seguinte fomos conhecer a cidade de Viang Xai. Este foi o lugar onde a resistência comunista do Laos se instalou durante a guerra do Vietnam. A guerra foi contra o Vietnam mas o Laos foi o país mais bombardeado pelos Estados Unidos. Foi mais bombardeado do que a Europa na segunda guerra. Para se protegerem dos ataques, a resistência utilizou várias cavernas que existem na região, eles também abriram novas cavernas e construíram instalações até que confortáveis, considerando a situação. Foram quase 10 anos de ataques com o único propósito de tentar impedir o avanço do comunismos na região. Boa parte da população foi atacada sem saber nem por quem, nem porquê. Até hoje não se sabe quantos foram mortos. Mas eles conseguiram resistir e com o final da guerra eles assumiram o poder e estão lá até hoje. Depois de muita história voltamos para Sam Neua para descansar, dormir e nos preparar para a viagem do próximo dia: uma viagem de 12 horas até Hanói no Vietnam.

Cavernas em Viang Xai


Esse viagem vai entrar no Top 3 de piores viagem de todos os tempos. Foram 3 horas de Sam Neua até a fronteira, um trajeto de 100km, ou seja, viajamos à 30 km/h, e o micro-ônibus era tão velho e a estrada era tão empoeirada, que a poeira tomava conta de tudo e as vezes ficava impossível respirar. Era surreal, em alguns momentos tinha mais poeira dentro do ônibus do que do lado de fora. Chegamos na fronteira e feito todos os tramites de saída do Laos, andamos até o lado do Vietnam e daí entramos oficialmente no nosso 14º país. Paramos para almoçar logo depois da fronteira e depois continuamos. Naquele momento só restava pedir, implorar e rezar para que a estrada no lado do Vietnam fosse melhor. Mas não adiantou. A estrada na região de serra do lado do Vietnam está sendo reconstruída e não tem nem asfalto, é só terra, areia e poeira. Muita poeira. Daqui em diante viajamos com um pano no nariz e na boca para tentar respirar melhor. Enquanto isso a poeira ia se acumulando nas nossas roupas e nas nossas mochilas que estavam no bagageiro e ficaram indescritíveis. E assim foi até as 14:30 quando mudamos de ônibus pela primeira vez. Agora era um micro-ônibus novo. Sem poeira, consegui curtir um pouco a viagem, vendo a paisagem, as várias vilas, muitos arrozais, pessoas simples. Mas a estrada continuava a mesma. E somente as 18:00, quando mudamos, agora para um ônibus, foi que a estrada ficou do jeito que imaginamos que deve ser uma estrada: asfalto com largura suficiente para dois carros, uma faixa no meio, acostamento. No ônibus tinha até televisão e estava passando um filme chinês do Jack Chan bem antigo. Chegamos em Hanói as 20:00 e não sabíamos aonde estávamos (existem três estações de ônibus). Depois de nos localizarmos, pegamos um taxi e fomos para o Old Quater ou centro antigo de Hanói, onde tudo acontece. Mais um país.


Valeu.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

OUTRAS VIAGENS - OUTRAS HISTÓRIAS

Cabelo pra que te quero


No começo dessa semana, depois de mais de seis meses sem cortar o cabelo, lembrei que talvez essa seja a maior “rebeldia” que estou cometendo. Quer dizer, “meia rebeldia” porque agora sou “meio careca”. Uma “rebeldia” simples, até despercebível como tal dependendo do meio em que se vive. Mas para quem vive em ambiente corporativo e já passou dos trinta sabe do que estou falando. Estamos, quase sempre, presos a “padrões” e regras de trabalho (muitas vezes impostas por nós mesmos), a modelos sociais, a formatos que deram certo, fugindo do ridículo, dos comentários e tentando não chamar muita atenção desnecessária.

Quando era adolescente em Fortaleza conheci o meu irmão-japonês André Kiyoshi, o Kiko, que é seis meses mais velho do que eu, e entre outras coisas, é um “rebelde”. Toda vez que íamos cortar o cabelo ele inventava moda. Toda vez era de uma forma diferente, nova e surpreendente. Às vezes ele parecia um cantor sertanejo, às vezes um punk e às vezes nem uma coisa nem outra muito pelo contrário. Mas toda vez sempre despertou muitos comentários, tanto da família como dos amigos. A família exaltava mais o exagero e o porquê de tudo aquilo, sem entender muito bem mas nunca podando ou recriminando. E os amigos exaltavam a coragem e “entendiam” perfeitamente o porquê de tudo aquilo. Pura rebeldia. Não bastava ser diferente, tinha que ser diferente do diferente. Afinal um “japonês” com cabelo tipo Chororó não era a coisa mais comum em Fortaleza a 25 anos atrás. E toda vez, eu era encorajado a fazer algo diferente também, mas nunca fiz. O argumento dele era simples: “aquele era o momento, a hora de fazer o que quisesse com o cabelo era aquela, por que depois que “crescêssemos” o cabelo iria fazer parte de um estilo, um visual, que o trabalho, a época, a nossa ideia de nós mesmos e a própria idade iriam determinar: arrumadinho, bem cortado e nos “padrões”. Aquela era a hora de arriscar”. E de certa forma ele estava certo.

Depois de alguns anos mudei-me para São Paulo e fui morar com ele que estava de volta à terra natal depois de uma temporada no Japão, e na primeira empresa que trabalhei, um escritório de contabilidade, passei por uma situação parecida. Era meu primeiro mês em Sampa, ainda estava me acostumando com o frio e tudo mais. Depois de 5 dias sem fazer a barba, na segunda pela manhã, resolvi deixar o bigode e o cavanhaque só para mudar um pouco o estilo, ver como ficava. No meio da tarde, minha chefe chega do meu lado e pergunta: “você gostaria de crescer nessa empresa?”. Eu respondi que sim e ela terminou: “então é melhor você fazer a barba direito porque o homem aqui não gosta dessas novidades”. No dia seguinte fiz a barba direitinho e dois meses depois mudei de empresa. Tem solução pra tudo. Odeio fazer a barba. Faço, mas odeio.

Eis que aos 40 anos, fazendo um sabático, viajando pelo mundo, vejo uma nova oportunidade de me rebelar. Não tenho trabalho, meus amigos estão longe, não conheço ninguém pelo caminho e ninguém nunca me viu antes, portanto fujo um pouco da lembrança diária do quão ridículo estou sem meus inseparáveis bonés. E eu sei que estou. Mas e daí!?.


Mas exatamente 2 dias após pensar nisso, o Kiko posta uma foto no facebook com o seu novo visual: surpreendente, renovador, rebelde. E como um “rebelde” experiente, de verdade, é claro que o estilo faz parte do visual: moderno, “na moda”, atual. Nada parecido com a minha rebeldia: ridícula e sem estilo. Muitos comentários surgiram, como na nossa infância, mas agora de todo lado do mundo. Quando pensei que essa era o meu momento de rebeldia o Kiko me mostrou que ser “rebelde” não é questão de momento é questão de ser ou não ser. E para quem nunca foi o que resta é tentar ser pelo menos “meio rebelde”.

Lúcio Braga


Canindé, Jan/1992. Foto de Lambe Lambe
Nunca saiu assim.

Assim é bem melhor.


Kiko e seu novo visual

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

De novo na Tailândia

Bom pessoal,

De Myanmar, voltamos para a Tailândia mas agora para conhecer o norte do país. Saímos de Hpa an as 19hs do domingo e chegamos em Pai, nosso destino, às 17 da terça-feira, dormimos duas noites seguidas em transportes. Primeiro pegamos um ônibus, com o pior assento que já andei (duro feito pedra), de Hpa an até Yangon. De lá pegamos um avião para Bangkok, depois fomos de trem para Chiang Mai e de lá uma Van para a cidade de Pai. O ônibus foi terrível, pois não tinha jeito de diminuir o desconforto, minha bunda ficou quadrada. E a Van de Chiang Mai até Pai também não foi fácil mas por outro motivo: são apenas 130km entre Chiang Mai e Pai mas o caminho tem exatamente 762 curvas, não há quem não chegue enjoado. O avião foi tranquilo e no trem “desmaiei”, dormi feito pedra. Sem hotel reservado em Pai, saindo da estação de ônibus e apenas dobramos a esquina para encontrar um recomendado pelo Lonely Planet, bem no meio da rua principal, no meio da muvuca. E custou apenas US$ 10,00 por dia com banheiro privado, água quente, lençol e toalha. Meu medo agora é que esse se torne o novo padrão de preço para a Raquel.

A cidade de Pai é bem agradável, com um clima quente durante o dia e um friozinho durante a noite, um clima de serra. É bem turística e isso significa que tem muitos restaurantes, lojas e barraquinhas de rua. Não tem nada melhor que comida de rua. E o melhor são os shakes de frutas, o melhor é o “mango shake”, uma delícia. Eles também dizem que tem muitas atrações como cachoeiras, cânions e outras coisas de natureza (depois eu explico). No primeiro dia acordamos tarde e ficamos pela cidade passeando e procurando lugares para comer e lavar nossas roupas. Depois de Myanmar ela mereciam. Era muita poeira. Almoçamos em um restaurante que ninguém falava inglês. No jantar comemos hambúrguer, aliás muito bom. No dia seguinte alugamos uma scooter e fomos conhecer as “atrações” da cidade. Não tinha como ser pior: a cachoeira parecia um riacho descendo pelas pedras, o cânion parecia uma falésia com umas árvores embaixo. Tudo bem mixuruca mesmo. Foi até engraçado. Talvez as melhores coisas, os melhores lugares, só estejam disponíveis para as pessoas que compram os pacotes de daytour, por serem longe (nas propagandas vi fotos de umas cavernas bem legais). Mas mesmo assim valeu pelo passeio de scooter que fizemos, andando pela contra-mão (que aqui é a mão) e vendo as vilas e a vida pelo caminho. No dia seguinte viajamos para Chiang Mai.


Ponte histórica na entrada de Pai utilizada na II Guerra
Vista para o vale da cidade
Nossa motoquinha
Chiang Mai é considerada a capital cultural da Tailândia, tem um centro antigo, que é “cercado” por um canal e tem alguns templos. Mas o que mais gostei aqui foram as feiras. Toda noite tem o Night Baazar, que é uma região da cidade próxima ao centro antigo com muitas lojas, restaurantes e é bem movimentado. E no domingo tem um famoso e imenso Street Market bem no centro do centro antigo. Começa às 16hs e vai até o final da noite. Esse é o melhor de todos. Nesse dia também fomos conhecer um templo que fica nas montanhas, uns 40 minutos de carro do centro. É bonito, mas pelo fato de já ter visto tantos templos (e depois dos de Bangkok) parece que é mais do mesmo. Aliás o melhor templo de todos fica na cidade mesmo e bem no meio dela, é Chedi Luang. Esse vale a pena mesmo. No sábado também cumprimos o ritual de todos os turistas que vem a Tailândia: fizemos a massagem tailandesa (“massage, thai massage. Good for you”). Ficamos, eu e a Raquel por uma hora sendo torcidos e retorcidos de todo lado. Muito bom. Recomendável.






Na própria guest house em que ficamos em Chiang Mai, compramos o pacote para ir para o nosso próximo pais: o Laos. Nosso primeiro destino lá é a cidade de Luang Pragang. É uma viagem de três dias e duas noites mas desta vez dormindo em hotéis pelo caminho. Primeiro passamos pela cidade de Chiang Rai para conhecer o Write Temple, que é realmente todo branco, um pouco extravagante e até noonsense (na parede da porta de entrada, do lado de dentro, tinham pintadas figuras nada convencionais em um templo como: Michael Jackson, Elvis Presley, Kong Fu Panda, cenas do Star War, personagens do cinema, um telefone celular, entre outros). Seguimos viajem e dormimos em Chiang Khong, na fronteira, para somente no dia seguinte cruzá-la. A fronteira aqui é o rio Mekong, vamos ficar bem íntimos nos próximos dias.





Nessa segunda etapa pela Tailândia fiquei com uma impressão melhor de tudo. No norte encontramos “gente normal”, não só turistas, e os turistas eram também tailandeses e não só ocidentais como foi na nossa primeira visita. Desta vez foi possível ver um pouco da vida, da religiosidade e do comportamento do povo. Apesar de ter sido apenas uma semana, nesta semana tivemos mais contato com os tailandeses do que na primeira vez, que ficamos um mês inteiro.


Valeu.

Norte da Tailandia

Voltamos para a Tailandia para conhecer o norte do país. Do hotel de Hpa-An, nossa ultima hospedagem em Myanmar, até o hotel de Pai na Tailandia, foi um longo caminho. Tomamos o ônibus noturno às 19h00 e chegamos em Yangon às 3h00. Um taxi nos deixou no aeroporto onde dormimos nos bancos até a hora do avião que nos levou para Bangok. Chegando lá pegamos um trem local até a estação central. Deixamos nossas mochilas e fomos resgatar o computador do Lucio que tinha ficado para consertar há 20 dias. E a surpresa foi que o computador estava do jeito que deixamos, esperando a aprovação do orçamento, que já tinha sido feita, para iniciar o conserto. Depois de uma grande irritação, e nessas horas o que já é difícil em português, torna-se mais difícil em inglês e piora quando o outro lado fala um inglês pior que o seu, a linguagem universal da indignação e do falar alto fez com que o computador estivesse pronto em 5 horas, tempo suficiente para voltamos para a estação e pegar o trem noturno para Chiang Mai. Um trem super arrumadinho, uma cabine com 2 beliches, todas as camas separadas por cortinas individuais, com ar condicionado e lençol limpo. Tá certo que não teve a mesma graça do trem de Myanmar, mas o conforto foi incomparável, dormimos como bebes. Às 11 horas do dia 2 chegamos em Chiang Mai mas ainda não no nosso destino final. De lá pegamos uma caminhonete até a estação de ônibus onde tomamos uma van de 4 horas e, após 762 curvas, chegamos em Pai às 17 horas.

Pai é uma cidadezinha tranquila no meio da montanha. É bastante turística para os ocidentais hippies, para os chineses (eles estão em todos os lugares) e também para os tailandeses. Existe um clima gostoso de não se fazer nada por ali, só deixar o dia passar e à noite passear no mercado de rua que vende de tudo, mas a minha diversão eram as comidas: frango frito, linguiça com arroz (é bem boa, o arroz é misturado na própria linguiça), pad thai, shake de manga, panqueca de banana e por aí vai...

Em um dos dias alugamos uma moto e fomos passear pelos pontos turísticos: uma cachoeira “fraquinha”, um canion que mais parecia um vale, uma ponte do tempo da 2 guerra que não tinha nada de mais e um templo com um buda branco que estava sendo restaurado. É, o melhor da cidade realmente foi deixar o tempo passar...

Nós 2 no canion

Canion

Nós 2 de motoca

Buda branco

Depois fomos para Chiang Mai, apesar de ser a segunda maior cidade da Tailandia, é bem calma, parece cidade do interior. La, como em Bangok, tem templos a cada esquina, uns maiores, outros menores, e sempre com monges e locais em seus rituais de oração. O mais bonito foi o Wat Chedi Luang onde pudemos acompanhar uma cerimonia dos monges, todos jovenzinhos, deviam ter uns 20 anos. O mais grandioso foi o Wat Phra Doi Suthep no alto de uma montanha, todo dourado, cercado por rituais locais. 

Cerimonia no Wat Chedi Luang

Rituais no Wat Phra Doi Suthep

Aproveitamos também as feiras noturnas, tem uma que rola de segunda a sábado e outra especial no domingo. Fomos nas duas, todas cheias de bugigangas, arte e comida, para todos os gostos e bolsos. 

Em Chiang Mai compramos aquele combinado de transporte para nos levar até Luang Pragang, no Laos, uma viagem de 3 dias, 2 noites. No meio do caminho paramos para ver o Templo Branco em Ching Rai, muito bonito e bem diferente de qualquer outro templo que já vimos por aí. Ele foi desenhado por um artista local contemporâneo e apresenta traços bem modernos. Logo na entrada tem um lago cheio de mãos saindo da terra que representa a cobiça humana. Dentro do templo tem a parede do ocidente com desenhos do Michel Jackson, Matrix, Kung Fu Panda, Osama Bin Laden, Torres Gemeas e afins que representam nosso estilo de vida atordoado. E do lado oposto tem a parede do oriente com uma imagem do buda iluminado. Fomos ver um templo e ganhamos de brinde uma arte pop.

Desde a nossa primeira parada na Tailandia temos ensaiado fazer a massagem tailandesa, até que no penúltimo dia ou era agora ou nunca mais. E lá fomos nós, a 6 dólares uma massagem de 1 hora. Trocamos de roupa, deitamos na maca e a massagista veio atrás, subindo na maca também. E começa, apertando todos os músculos que você sequer imaginava existir, e faz pressão com os dedos, com o cotovelo, e te vira de um lado, e de outro, te alonga, te coloca de costas, sobe em cima, te empurra com os pés, puxa aqui, e depois ali, uns crec crec pra tudo que é lado. Não é exatamente uma massagem relaxante, tampouco erótica como é conhecida no Brasil, mas saí com uma sensação de estar novinha em folha.

Foi uma passagem rapida de volta à Tailandia e parece que voltamos para um outro país, com um turismo mais local, mais religiosa, mais acolhedora e muito mais barata. E assim finalizamos mais um país, nosso recorde de 36 dias no total, conhecendo o melhor desse lugar de belas paisagens com uma facilidade que só a Tailandia tem.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Myanmar: um país a ser descoberto

Bom Pessoal

Chegamos em Yangon, Myanmar, que eu pensava ser a capital mas descobri que em 2012 eles mudaram a capital para Nay Pyi Taw. Myanmar é a antiga Birmânia, eles também trocaram de nome. Mas parece que foi uma mudança pela metade porque quem nasce aqui ainda é chamado de birmanês. Como não sabia que as denominações não haviam mudado, comecei a chamá-los de “myanmeses” e vou continuar, acho mais bonito. Logo que saímos do aeroporto comecei a me sentir um pouco familiarizado com tudo. Não sabia exatamente o porquê mas depois pensei que talvez fosse por eles dirigem do lado certo da rua (diferente de todos os outros países desde a China) apesar de a direção de 90% dos carros ser do lado errado. Deve ser um modelo em transição. E encontrei também outras coisas bem familiares, como tapioca e rapadura, e outras nem tanto, como as vestimentas. Uma das principais características dos “myanmeses” é que quase 70% da população usa saia. Sim, mais da metade dos homens e 90% das mulheres usa saia. Para as mulheres é uma canga, colorida, lisa ou cheia de detalhes decorativos como flores, riscos e desenhos, enrolada na cintura. Para os homens também é uma canga (sempre xadrez) mas costurada na lateral, ficando parecido com um saco sem fundo e amarada na cintura com um nó. As mulheres combinam a saia com a camisa e os homens usam qualquer tipo de camisa com a saia, desde camisa social de manga comprida até camiseta regata. A Raquel até comprou uma saia para ela mas eu não. A bermuda está funcionando “super” bem.

Shwedagon Paya




No primeiro dia fomos conhecer o centro antigo da cidade, uma caminhada por ruas com prédios colônias bem antigos, mal conservados e no caminho passamos por alguns mercados: primeiro um mais local, onde os “myanmeses” compram suas roupas e calçados, depois fomos no mais turístico com lojinha de artesanato, joias, e também roupas e calçados pelo dobro do preço. Almoçamos em um restaurante com comida local (arroz, galinha cozida e muitas verduras e folhas diferentes), e depois voltamos para o hotel porque o calor era insuportável. No final do dia fomos conhecer a principal pagoda do país: a pagoda de ouro de Shwedagon Paya. É um grande complexo de vários prédios com vários Budas diferentes e no meio a grande Pagoda de ouro. Pena que ela está em reforma e a parte de ouro está coberta por andaimes, que dificultam ver a beleza. A parte de baixo, que é apenas folheada a ouro, estava coberta por sacos de palha dourada. Mas aqui, como o número de turistas é bem menor que nos outros lugares por onde andamos, a peregrinação é mais religiosa, portanto foi possível ver melhor as pessoas orando, agradecendo, entoando cânticos e cumprindo os rituais. Ficamos até o anoitecer para ver o brilho mas as reformas estão realmente atrapalhando. Melhor foi ver o povo.



No domingo fomos conhecer o parque da cidade, bem agradável, e na segunda fizemos um passeio de trem. É uma linha circular na cidade que dura 3 horas. Foi muito tempo para ver mais do mesmo, mas foi possível ver que o país é bastante podre e a cidade é muito suja com lixo por todo lado e esgoto a céu aberto em todo lugar. A condição de vida de boa parte da população é bem dura. Mas a sensação de segurança é total, quem se aproxima de você está realmente querendo lhe ajudar ou no máximo tentando gastar o inglês. Myanmar é um país “fechado” que está se abrindo aos poucos para o turismo, governado por generais que fizeram uma “intervenção militar” em 1962 e não largaram mais o osso (fica a dica).





Na terça fizemos nossa viagem (saga) para a cidade de Bagan. Fomos de trem que é o meio de transporte mais barato, mais lento, mais demorado, mas com as melhores vistas. No final foram quase 20 horas para percorrer menos de 700 Km. Mas foi uma das melhores viagens que já fiz. O trem era bem antigo, sujo, empoeirado mas confortável. Compramos bilhete na melhor categoria (com cama) e não esperávamos que fosse tão boa: era uma cabine exclusiva, isolada, para 4 pessoas, com camas na parte de cima (acima das janelas) e cadeiras que reclinavam até virarem uma cama de casal embaixo, duas janelas de cada lado, banheiro e um pequeno armário. Eles ainda nos ofereceram sabonete e toalhas de rosto. Quando li sobre essa viagem nos blogs, quase sempre em inglês, eles explicavam que o trem “jump a lot” ou “pula muito” em português. Mas a melhor tradução nesse caso é: pula pra caralho. Parece que você está sentado em um cavalo a galope. Às vezes você precisa se segurar para não cair. Mesmo assim deu pra dormir. A viagem começou as 4 da tarde e nas duas primeiras, ainda com sol, foi possível ver um pouco do interior e da vida por onde o trem passou. Assistimos o pôr-do-sol de camarote ou melhor do camarote e antes das sete quando tudo já estava escuro, o trem pulou tanto que a energia do nosso vagão desligou. Ficamos no escuro e sem ventilador. Aquilo me deixou um pouco incomodado porque ainda estava quente, mas como as cabines são isoladas do resto do trem, tem-se que esperar chegar em alguma estação para avisar sobre o ocorrido. Uma hora depois eles conseguiram restabelecer a energia e seguimos viagem agora com luz e ventilador. Com a noite avançando e nenhuma nuvem no céu, a única coisa que via eram as estrelas. Uma beleza. Quase nem dei conta quando pouco depois das 9 da noite a energia foi embora e ficamos no escuro de novo. Melhor assim. Os vagalumes na beira dos trilhos eram tantos que pareciam indicar o caminho que o trem deveria seguir. E vi tantos deles em algumas árvores que parecia que já era natal. Uma beleza. Terminei o meu uísque e fui dormir. As 11 da noite, paramos em uma estação e recebemos a visita de um casal de espanhóis que também estava indo para Bagan. Daqui para frente dividimos “nossa” cabine com eles. Acordei antes das 6 horas da manhã para não perder o nascer-do-sol. Não sou muito fã do nascer-do-sol prefiro o pôr-do-sol, mas esse foi bonito. Uma bola amarelo-alaranjado gigante surgindo atrás das montanhas no horizonte deixando o céu metade avermelhado e metade azul. Uma beleza. Não tenho fotos, apenas a retina. Voltei a dormir mais um pouco e depois fiquei observando a paisagem. Mais uma vez vi muitas coisas que me são comuns: o ambiente é o mesmo do sertão do nordeste, árvores de porte médio, arbustos com muitos espinhos, carnaúbas, mamonas, pontes sobre rios secos, pequenas plantações de algodão e milho, carros-de-boi, cabras... Me senti realmente no Nordeste mas estou do outro lado do mundo e o que parece é que mundo não é tão diferente assim. Durante a manhã ficamos conversando com o casal de espanhóis e chegamos em Bagan já era quase meio-dia.






Bagan é um dos principais destinos de Myanmar, é uma região com mais de 4000 pagodas espalhadas em uma área de menos de 40km quadrados. Para onde se olha se vê pagodas. Um lugar único com um visual surpreendente e muito bonito. No dia em que chegamos não fizemos muita coisa, preferimos, depois de almoçar, voltar para o hotel descansando da viagem. Ficamos na vila de Nyaung U, a mais movimentada porque as outras opções (Old Bagan e New Bagan) tem apenas os hotéis chiques, caros e quase nenhum restaurante. No dia seguinte alugamos uma bike, compramos um mapa e fomo conhecer a região. São tantas pagodas que é preciso fazer um roteiro para não ficar indo de um lado para outro. Primeiro fomos para a Sulamani Pahto, uma bela construção piramidal e cheia de desenhos e pinturas nos corredores internos, mas nessa pagoda não se pode subir para se ter uma vista do entorno. Depois fomos para a Dhammayangyi Pahto e nessa podemos subir um pouquinho até uma janela lateral de onde tivemos nossa primeira visão do campo de pagodas. E os “myanmeses” são muito simpáticos: primeiro perguntam de onde você é, depois puxam conversa, depois oferecem algum produto, lembrancinhas ou pinturas e depois lhe pedem dinheiro do seu país, pois todos são “colecionadores” de dinheiro. Eles abrem as carteiras orgulhosos com cédulas de todo lugar. Achei a “tática” muito simpática pois cria um interesse no seu país. Mas saímos do Brasil sem nenhum real sequer. Como souvenir, estou fazendo uma coleção de moedas de todos os lugares que vou. Mas Myanmar não tem moedas, talvez daqui fique com algumas cédulas. O rapaz que nos pediu dinheiro nos orientou sobre uma pagoda ao lado de onde estávamos, menor, mas que poderíamos subir e ver todo o entorno. É realmente uma maravilha. Talvez não seja, hoje, uma das maravilhas do mundo porque isso depende de uma votação e não são muitas pessoas que conhecem. Mas que merece, merece. Do alto desta pagoda se pode ver todas as maiores pagodas da região, cada uma em um estilo diferente. Depois dessa pagoda fomos procurar um lugar para, primeiro, consertar o pneu da minha bicicleta, e segundo, um restaurante para almoçar. Enquanto eu aguardava o rapaz (que tinha seis dedos em uma das mãos) consertar o pneu, a Raquel foi dar uma voltinha por perto e descobriu o restaurante onde almoçamos. Restaurante é modo de dizer. Era um barracão no meio de um terreno, cheio de turistas e de locais. O barracão não tinha paredes e a cozinha era ali mesmo. O fogão eram quatro fogareiros no chão: o primeiro com o sopão, outros dois com frango frito e o outro de reserva. Tudo no chão mesmo. A comida era muito boa mas não gostei muito dos acompanhamentos. Comemos frango cozinho com curry e de acompanhamento tinha berinjela e salada. Dali fomos para uma outra padoga, menos famosa, para sentar, descansar um pouco, fazer a digestão e esperar o sol baixar. Lá conhecemos o Koko, um “pintor” da região (todo mundo que vende é “pintor”). Primeiro conversamos sobre a cidade, o país, futebol (todo mundo sabe tudo sobre futebol), dinheiro, política, educação e por último ele foi nos mostrar as pinturas que faz. Já tinha gostado de uma assim que chegamos. Ele nos mostrou uma inacabada para provar que é ele mesmo que faz e colocou na mesa todos os argumentos de um bom vendedor, nos mostrando que seu trabalho era de boa qualidade, artesanal e único (apesar de termos visto em todas as outras pagodas as mesmas telas, desenhos e assuntos). Mas fomos ver já “mal intencionados”. Na hora de falar o preço, o mesmo papo de todos os vendedores da região: “precinho especial, só pra você, vou falar baixinho, não fala para ninguém”. Sem medo de errar, você pode reduzir o primeiro preço em 70% e negociar a partir daí. Acho que pagamos tão “caro” que ele até nos deu outra tela, de um material diferente, de presente. Ou seja, compramos uma e levamos duas (“sabe nada, inocente”). Acho que foi tipo a Black Friday: “tudo pela metade do dobro”. Mas saímos satisfeitos com tudo: com a tarde, com a conversa, com as telas, com o preço e depois ele ainda nos indicou um lugar maravilho para ver o pôr-do-sol: no topo de um antigo mosteiro. Muito bom.












No outro dia, cansados de pedalar, alugamos uma bicicleta elétrica. Esforço zero. Fomos conhecer as três principais pagodas da região. A principal delas, Ananda Pahto, está sendo restaurada, é muito bonita mas não me impressionou. A mais bonita de todas foi a primeira, principalmente pelo interior. Fomos almoçar de novo no barracão (desta vez gostei mais dos acompanhamentos), voltamos para a pagoda do pintor para dar-lhe de presente uma cédula da Tailândia e outra do Nepal que tinha e para uma menina que tinha uma barraquinha por lá e tentou nos vender de um tudo, algumas moedas que tinha a mais na minha coleção (ela era a única que colecionava cédulas e moedas). Já que estávamos de bike elétrica fomos conhecer lugares mais distantes e vimos o pôr-do-sol de uma pagoda bem mais alta do que o mosteiro do dia anterior, a Pyathada Paya. Esta era bem mais procurada pelos turistas que chegavam de todas as formas possíveis: moto, bicicleta, charrete, carro-de-boi, carro, ônibus etc. Como chegamos cedo pegamos um lugar bem na frente. Como é bom ver o pôr-do-sol. No outro dia bem cedo começamos nossa viagem para o Inle Lake em duas etapas: primeiro um ônibus até a cidade de Meitkele, depois um pau-de-arara até a cidade de Thazi, onde nos hospedamos por uma noite (e tive a melhor refeição em Myanmar) para no outro dia tomar trem até Shweaung e de lá outra van para nosso destino, a cidade Nyaung Shwe. Só de trem foram 10 horas.





O Inle Lake é outra parada obrigatório em uma visita a Myanmar. É um lago natural que tem como principal atração as vilas no meio e seus pescadores característicos que se equilibram na ponta de suas canoas e remam estranhamente com a ajuda das pernas e não dos braços. Não se sabe muito bem onde começa ou termina o lago, porque eles construíram vários canais que aumentaram o tamanho e que também são usados para irrigar plantações de todo tipo. Todo mundo tem um barco. Visitamos uma feira em uma das vilas, uma loja com a mulheres girafas e também outras onde eles fabricam cigarros. O passeio todo foi muito bom e é indispensável. No dia seguinte alugamos uma bike e fomos conhecer os caminhos ao redor do lago. Fomos até uma vila e de lá tomamos um barquinho para ir para o outro lado de onde fizemos o caminho de volta para a cidade no final da tarde, com direito a parada em um vinhedo para fazer uma degustação dos vinhos da região. Continuo preferindo os chilenos e argentinos. 







No último dia ficamos na cidade para conhecer o mercado central e à noite tomamos um ônibus para Bago e de lá, outro para nosso destino: Hpan an. É uma cidade fora do circuito e considerada a próxima cidade a ser descoberta pelo turismo “de massa”. Cheia de cavernas convertidas em templos, tem um charme e uma beleza diferente dos outros lugares. Visitamos umas 6 cavernas cheias de Budas, andamos pelos campos de arroz e passeamos de canoa. Foi muito bom, também pelas outras pessoas que estavam conosco: um porto-riquenho radicado na França, quatro outros franceses e duas italianas. Um dos franceses inclusive sabia tudo sobre música brasileira, de Jacson do Pandeiro à Criolo e Céu. Me fez até algumas indicações de bandas que supostamente eu deveria conhecer mas que nunca tinha ouvido falar, como Metá Metá e Cidadão Instigado. Um francês me ensinado sobre música brasileira em Myanmar? Vivendo e aprendendo. E na seção "parece que estou no nordeste" também encontrei cocada e refrigerante Mirinda. No dia seguinte ficamos na cidade e à noite seguimos para mais uma saga, uma viagem de 48 horas de volta para a Tailândia. Mas essa fica para a próxima.









Valeu.