Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Entre a montanha e o mar

Bom pessoal,


Voltamos das montanhas e ficamos mais uns 5 cinco dias em Katmandu. Tínhamos ainda que faz os passeios turísticos na cidade que deixamos tudo para quando voltassemos: Katmandu Durban square, a antiga cidade de Bhaktapur e a Stupa Bodhnath. Fizemos tudo apenas na quarta e na quinta porque na segunda e terça choveu o dia todo, literalmente, sem exageros. As chuvas eram fruto de um ciclone que ocorreu no mar da Índia que entrou pelo continente, e em Katmandu virou chuva, mas quando chegou na região do Annapurna virou nevasca, pegando de surpresa todos os trekkers e montanhistas que estavam por lá, causando muitas avalanches e uma das maiores tragédias ocorridas nas montanhas do Nepal: mais de 40 mortos e muitos desaparecidos. Foi muito triste ouvir notícia após notícia os números aumentando e a situação piorando. O circuito Annapurna é uma região de trekking mais para o norte do país e é relativamente fácil e a maioria das pessoas vão para lá sozinhas, sem um guia local. E na maioria absoluta das vez tudo corre bem, sem problemas, apesar da grande altitude.

Bairro turístico de Thamel, Katmandu
Bhaktapur
Bhaktapur
Bhaktapur
Stupa Bodhnath
Deixamos o Nepal com a certeza de que vamos voltar. Esse é um país para se voltar, sempre. Com um povo muito hospitaleiro, alegre, tranquilo e com lugares surpreendentes, maravilhosos, com vistas únicas. Namaste.

De lá seguimos viagem por 24 horas (door to door, ou da porta de um hotel até a do outro) para a ilha de Koh Tao na Tailândia. Foram 4 horas de avião até Bangkok, do aeroporto pegamos um trem e um taxi até o centro, de lá pegamos um ônibus noturno até a cidade de Chumphon, e de lá um catamarã até a ilha. Saímos as 9:30am do hotel em Katmandu e chegamos as 9:30am no hotel em Koh Tao.

Koh Tao é uma pequena ilha na península da Tailândia, paraíso para os mergulhadores e ótima para a prática de snorkeling. Aqui é o lugar mais barato (talvez do mundo) para se fazer um curso de mergulho com certificado internacional (PADI): são três dias de curso por menos de US$ 300,00. A concorrência é muito grande. E se aqui ainda não fiz meu curso de mergulho é por que não vou mais fazer. Nunca. Deixa pra lá, prefiro as praias e os peixinhos coloridos da superfície do que as profundezas do mar azul sem fim.






Na ânsia de chegar aqui não vimos como estava o tempo por esses lados. A única coisa que sabia é que as monções já deveriam ter acabado e que a outra opção era somente sol. Mas as coisas não são tão simples. Chegamos no sábado, e chuva. Domingo, chuva. Segunda, nublado com um pouquinho de sol. Terça, sol com um pouquinho de nuvem. Quarta, nuvem com sol. Enfim, paraíso com chuva não combina e ainda não vimos aquele céu azul das fotos de revista, aquele azul céu-de-Brasília (da cidade não do carro) das fotos. E o mar também, apesar de claro, parece turvo, diminuindo a visibilidade. Mas como paraíso é paraíso, mesmo com as condições “desfavoráveis” a ilha é maravilhosa, com belas praias, entre rochas, coqueiros e com uma areia branquinha, branquinha. Em qualquer lugar dá pra fazer snorkeling, em qualquer lugar você consegue ver peixes de todas as cores, em qualquer lugar o mar é cristalino. Com certeza não tenho do que reclamar e até a chuva é bem-vinda para dá uma refrescada.






Valeu.

Um descanso no paraíso Koh Tao, Thailandia

Um restinho do Nepal, o sorriso nepalês

Gostei do Nepal logo de cara. Chegamos em Kathmandu e fomos direto para Thamel, o bairro arrumadinho onde todos os trekkers se hospedam antes e depois de suas caminhadas. Uma infinidade de lojas de equipamentos esportivos, restaurantes para todos os gostos e aquela poluição visual que só a Ásia sabe fazer. Nem me importei com a pobreza, as ruas sem calçadas, as buzinas e o transito infernal, afinal estava vindo da Índia. O que realmente me chamou a atenção foi o encanto do povo nepalês, pessoas simples e sempre com um sorriso no rosto. Li no guia para nunca aceitar o primeiro preço, que sempre precisava negociar o valor, mas dava até dó de negociar com eles, eles sempre baixavam o preço, e sempre com um sorriso nos agradeciam. Pudemos ter bastante contato com as pessoas devido ao nosso trekking e ouvimos muitas histórias do Shree, dono da agencia que contratamos, e do Jwala, nosso guia.

Eles sabem da condição de seu país, mas são extremamente orgulhosos do que ele pode oferecer. Ainda é uma sociedade que valoriza as relações e principalmente a família. Tem vários festivais dedicados à família, só no período que estivemos lá presenciamos um que é o principal e dura 15 dias, tempo para que todos possam voltar para suas casas e pedir a benção para seus pais, e outro dedicado aos irmãos, de sangue ou não, para fortalecer a união entre eles.

Conhecemos os principais pontos turísticos de Kathmandu. Swayamblunath Temple (Templo dos Macacos), Boudhanath Stupa, Durbar Square de Kathmandu e de Bhaktapur. Lugares que traduzem a religiosidade desse povo, 80% declarado hindu, mas onde o budismo convive em uma harmonia perfeita, fazendo parte dos rituais do dia a dia.


Boudhanath Stupa

Durbar Square de Bhaktapur

Durbar Square de Kathmandu

Templo dos Macacos

Thamel

Sempre sofro ao me despedir de um país e com o Nepal não foi diferente. Poderia ter ficado dias e dias com a rotina de simplesmente andar por ali, almoçar comidinha local, passar numa bakery e comer um pedaço de bolo, naquela preguiça sem fim. Até passei como local, já que uma das 60 etnias do país puxa os traços dos japoneses. Manish, nosso porter, era dessa etnia. Mas chegou a hora de seguir adiante, de outra grande mudança.

Aqui terminamos nosso grande bloco Ásia Central que durou 3,5 meses e incluiu Japão, Coreia do Sul, China, Índia e Nepal. A parte mais densa da viagem, com muitas histórias e culturas para conhecer. Foram dias de andanças e muita pesquisa para poder absorver o melhor de cada lugar. Um mundo novo e diferente, que nos acolheu tão bem e me fez sentir tão bem. Outro dia estava conversando com o Lucio tentando elencar nossos melhores isso ou aquilo e chegamos à conclusão de que não dá, todos os lugares em que passamos é o melhor na sua essência, cada um trazendo sua própria história e sensações. Completamos com isso nossos 6 meses de sabático, já percorremos metade do nosso caminho. O blog tem nos ajudado a registrar tantas emoções que encontramos por aí para não nos esquecermos no meio de tantas novidades. A saudade já é uma constante, vem e vai, e vou aprendendo a lidar com ela. Ainda temos um mundo para descobrir e sentir, mais paisagens deslumbrantes, comidas deliciosas, histórias e culturas, pessoas e sorrisos para nos encantar e emoções para viver. E disso é feita nossa rotina de viajante, de descobertas, surpresas e sensações.

Nosso descanso no paraíso

Iniciamos nossa terceira parte da viagem, o Sudeste Asiático, com um belo descanso, nossa segunda parada estratégica, aquela que serve para descansar o corpo e o coração, e tudo que precisamos fazer é nos espreguiçar demoradamente, no caso, no paraíso chamado Koh Tao, uma ilha ao sul da Thailandia. O único problema é que eu achava que no paraíso não tivesse tempo ruim e nem nos preocupamos em checar a previsão do tempo. O que acontece é que aqui também fica nublado e chove, e entre um dia de sol e outro de chuva, alternamos entre praia e trabalho (pesquisa intensa para os próximos países).

Acho essa vida de mochileira um barato, outro dia estávamos passando frio nas montanhas do Himalaia e hoje estamos morrendo de calor nas praias da Thailandia. Cenários completamente diferentes, mas que preenchem a alma igual. Falando assim parece poesia, mas enfrentamos em um período de 24 horas um taxi, um avião, um trem, outro taxi compartilhado com outra mochileira para baratear o custo, um ônibus noturno e um barco, para chegar no nosso destino. Nosso lado B...

Nossa rotina tem sido acordar sem pressa, sair à procura de uma praia pra chamar de nossa, entrar no mar que mais parece uma piscina aquecida, almoçar comidinha local, voltar pra areia e dar uma cochilada, voltar para o hotel, tomar banho e sair pra jantar. Ah, vidão...





Hoje fizemos um passeio de snorkeling, foram 5 paradas para ver vários tipos de peixes coloridos e no final a ilha mais fotogênica da região, Nang Yuan. Suspiros...



Comer é uma delicia! Amo essa parte da viagem! Cometemos só um pecado western logo no primeiro dia. Após 45 dias sem carne de vaca (Índia e Nepal) comi um file bem mal passado, do jeito que eu gosto. O Lucio foi de hambúrguer com fritas. Depois mergulhamos de cabeça na comida tailandesa que desafia nosso paladar a cada refeição. Salgado, doce, apimentado, cheiroso, muito cheiroso. Por 3 dolares nos esbaldamos com um prato muito bem feito nos restaurantes. Por 2 dolares nos esbaldamos igual nas barraquinhas de rua. Por outros 2 dolares não poderia faltar a cerveja local, mesmo preço no supermercado ou nos restaurantes. Férias é assim, comer, beber, viver.

Frango com green curry e leite de coco

Frutos do mar e legumes

Vamos ficar nessa preguiça por uns 20 dias, mudando apenas de ilha. Afinal, cansa ver a mesma paisagem paradisíaca por muito tempo...

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Trekking no Nepal

De Katmandu para Namche Baazar (de 1.400m para 3.440m)

Chegamos na terça e no final do dia fomos conhecer a agencia que contratamos (Base Camp Adventure), o dono e fechar os últimos detalhes do nosso trekking. Foi muito bom e o Shree nos pareceu um pessoa muito comprometida, fácil de conversar e acessível. É um jovem empresário que antes já foi carregador, guia e agora é agente de turismo. Conhece bem as montanhas, nos deu várias dicas e nos passou nosso roteiro completo. E a primeira dica foi tentar antecipar a viagem para Lukla para sexta-feira. O melhor era chegar lá o mais rápido possível, pois essa viagem (30 minutos de avião) é o grande problema para começar o trekking pois muitos voos são cancelados. Nos outros dias da semana compramos algumas coisas para usarmos na caminhada, principalmente coisas para nos manter aquecidos e secos. Na sexta acordamos cedo fomos pegar os sacos de dormir e um jaquetão para o frio que a empresa nos providenciou, voltamos para o hotel e ficamos aguardando a hora de ir para o aeroporto. Mas antes das 10 horas a empresa nos ligou e disse que não seria possível viajar pois o aeroporto de Lukla estava fechado. Fomos então passear um pouco e conhecer alguns lugares em Katmandu. Conhecemos o bairro de Thame e fomos até o templo dos macacos. No sábado acordamos cedo e fomos para o aeroporto, mas nesse dia apenas o primeiro voou partiu para Lukla. Ficamos no aeroporto até as 13 horas esperando o cancelamento oficial de todos os outros voos.

Lukla é um vilarejo no meio das montanhas a 2.860 metros do nível do mar e ponto de partida para todas as expedições e trekking na região do Everest. As únicas opções para chegar aqui são de avião ou helicóptero. Ou caminhando por 7 dias. O primeiro sofre constantes cancelamentos por causa do tempo e o segundo é muito caro. A terceira opção nem pensar. E Lukla tem um dos aeroportos mais extremos do mundo (pra não dizer perigoso): a pista é curta, com inclinação para ajudar o avião a parar na chegada e a pegar velocidade na partida, com um penhasco na cabeceira da pista e um paredão no final dela e com operação apenas visual. E esse é o grande problema de tantos atrasos. Se houver uma só nuvem no caminho do pouso eles não voam. E quem toma a decisão final, quem tem o poder de fazer ou cancelar os voos são os pilotos. O governo aprovou isso e as empresas não podem fazer pressão. Isso nos deixa mais tranquilos em relação a segurança.

No domingo seguimos novamente para nossa rotina: aeroporto, esperar e voltar para o hotel. Na segunda-feira seguimos novamente para o aeroporto e os voos estavam partindo e ficamos esperançosos. O cara da empresa que estava nos acompanhando nos disse que nosso voo tinha sido definido. Depois disso seguimos para o check-in. Maravilha. Mas não tanto. Pegamos nossos tickets e fomos para o salão de embarque, trinta minutos depois entramos no ônibus para ir até o avião e quando chegamos no avião o comissário nos pediu para esperar. Nesse meio tempo, de 5 minutos, começou a chover. Mas pensei, o que importa não é o tempo em Katmandu mas em Lukla, se lá estive ok então ok. Vinte minutos depois ele voltou, pedindo desculpas, e disse que o voo iria atrasar pois o aeroporto de Lukla estava fechado. Voltamos para o salão de embarque e ficamos esperando até as 15:00 quando eles decidiram cancelar o voo. Pegamos nossa mochila e fomos para o estacionamento aguardar o Shree, o dono da empresa. Durante todos esses dias no aeroporto, um guia da empresa estava conosco. Ele não era o nosso guia mas se as coisas continuassem atrasando, poderia ser. Na verdade o casal que ele ia guiar já estava na montanha. E o nosso guia também. Enquanto esperávamos no estacionamento, o cara da empresa do avião passou por nós e disse que o aeroporto tinha sido reaberto e que poderíamos voar. Voltamos correndo para dentro do aeroporto, fizemos o check-in novamente e embarcamos no avião. Um pequeno avião para 20 pessoas com uma fila de cadeiras de cada lado e cabine do piloto aberta. Deu para acompanhar todo o voo. A tela do radar do piloto era do tamanho do meu GPS. Partimos para um voo de 25 a 30 minutos que durou 50. O piloto fez várias voltas para desviar de grandes nuvens no caminho e quando chegamos no vale ele aprumou o avião mas depois saiu para a esquerda. Quando olhei para ver o que estava acontecendo, vi uma pequena nuvem exatamente na cabeceira da pista. Era tão pequena que mais parecia uma bola de algodão. Mas aqui, sem visão total da pista, nada feito. O piloto então deu uma volta no vale, tentou novamente e nada. A nuvem continuava lá. Ele então deu outra volta no vale agora um pouco mais longa. Fizemos um passeio grátis pelas montanhas, passando próximo dos paredões, subindo, descendo e fazendo curvas. Parecia que estava num filme, a montanha estava logo ao lado, pra mim não mais de 20 metros mas deveria ser um 200. Mas eu só ficava pensando: “será que vamos voltar para Katmandu nessa altura do campeonato?”. Depois de voar pelas montanhas ele voltou para o aeroporto e a nuvem tinha ido embora. O pouso mais pareceu que ele tinha caído na pista. E como tudo tem que ser muito rápido pois ele tem que voltar para Katmandu, o desembarque e embarque não durou mais que 5 minutos. Sem tempo nem para fotos, pegamos nossa bolsa e encontramos com nosso guia e o carregador. Nisso já eram 5 da tarde e pelo programa teríamos que caminhar mais 3 horas até a vila onde iríamos dormir. Como não tínhamos almoçado ainda paramos em Lukla para tomar uma sopa e para conversar e conhecer melhor com o nosso guia, o Jwala e o nosso carregador, o Manish. Os dois nos ajudaram muito nessa aventura. Não faria o trekking sem um guia e não conseguiria sem um carregador. Saímos de lá já eram mais de 5:30, então decidimos andar até que tudo ficasse escuro e no outro dia tirar o atraso. Andamos mais 40 minutos e paramos em uma Tea House, como eles chamam as pousadas aqui. Trocamos de roupa, jantamos e fomos dormir. O outro dia seria longo.

Caminho até Namche
Acordamos cedo, tomamos café e seguimos para caminhar e tirar o atraso do dia anterior até a cidade de Namche Baazar. Caminhamos por mais de 7 horas, saindo de uma altitude de 2.650m até 3.440m. Mas esse não foi o problema, o problema é que durante o caminho você sobe e desce várias e várias vezes. E quando seu destino final é mais alto que o seu local atual, qualquer decida é um tormento. E o Jwala nos informou que esse é um caminho plano nepalês. Se não houver várias subidas e descidas de 100, 200 metros de desnível muito provavelmente você não está no Nepal. Cruzamos várias vezes o rio no fundo do vale por pontes suspensas por cabos de aço e com piso de metal vazado que dava para ver o rio abaixo. E a última tinha uma altura de mais ou menos uns 300 metros. Não parei nem para bater foto. Uma japonesinha que vinha atrás da gente vinha agarrada no guia sem conseguir olhar para lado nenhum. Não, não era a Raquel, era outra japonesinha, uma de verdade. E depois da ponte, começou a parte mais difícil do trajeto, subida até Namche, talvez uns 400 metros de desnível. Foi duro, muito duro e foi apenas o segundo dia.


O Jwala fazendo graça em uma das pontes

A ponte mais alta do vale

A ponte mais alta do vale vista de baixo
Chegue em Namche muito cansado e com bastante frio, já era fim de tarde e estava chuviscando. As Tea Houses são pousadas bem simples, sem calefação nos quartos e muitas nem na sala de jantar (a nossa não tinha) e todas com tabela de preço adicional para “artigos de luxo” como: internet, energia para recarregar baterias e banho quente. A temperatura deveria estar abaixo de 10º com certeza. Trocamos de roupa e o Jwala nos disse que não tinha banho quente pois o aquecedor era solar e não tinha feito sol naquele dia. Ok, então tá então. Tomamos banho de gato, com toalhinha umedecida e fomos jantar. Além de andar sempre devagar, cada um no seu ritmo, sem pressa, o Jwala nos alertou ainda no primeiro dia, que as coisas mais importantes para fazer o trekking sem problemas em relação ao mal da altitude são: beber bem (água), comer bem e dormir bem. E eu respondi: “então tá fácil”. Até agora estamos sem problemas. No dia seguinte era dia de aclimatação, ou seja, não vamos a lugar nenhum. No roteiro diz que é um dia de descanso mas não é bem assim. Para aclimatar, o melhor a fazer é subir ainda mais e depois voltar para dormir em uma altitude menor. Então no dia do descanso subimos até o topo da cidade, uns 400 metros de desnível, visitamos um hotel luxuoso que tem por lá e voltamos para almoçar. Durante a tarde fomos conhecer o centrinho da vila e tirar algumas fotos. As crianças aqui são bem desinibidas e posam para tirarmos fotos. Tinha um que não parava quieto correndo para todo lado enquanto a mãe lavava roupa no riacho no meio da vila. Era tão pequeno que acho que não batia no meu joelho, moreninho, com o nariz escorrendo, cabelo lambido, ficou no meu caminho não me deixando passar. Fiz uma graça com ele mas apareceram várias cabras e ele ficou mais interessado nelas, tentando pastora-las. Não tinha nenhuma cabra menor que ele. Uma graça. Depois disso comemos um bolo de chocolate e voltamos para o hotel para tomar nosso primeiro banho desde que saímos de Katmandu, jantar e dormir.


Dia de descanso. Subindo a montanha com Namche bem abaixo
O menino e as cabras

De Namche a Lobuche (de 3.440 a 4.910 metros)

Saímos cedo de Namche com destino a Tengboche (3.860m) que era quase na mesma altura que subimos no dia anterior para fazer a aclimatação. Mas o caminho foi bem mais difícil. Pra chegar lá temos que descer 350 metros até o rio para depois subir 750 metros, além de algumas partes “planas”. Nesse dia criei o meu mantra para ritmar os passos nas horas de caminhada: “1, 2, 1, 2”. Poderia ter aproveitado o momento para ter um mantra mais poderoso como: “eu, posso, eu, posso”, ou “eu, consigo, eu, consigo”. Ou até mesmo um mais egocêntrico como: “sou, foda, sou, foda” ou “lin, do, lin, do”. Mas o “1, 2, 1, 2” resolveu meu problema e quando não dava para ser mais rápido, ele ficava: “1..., 2..., 1..., 2...”. Chegamos em Tengbuche às 14:30, almoçamos e depois fomos conhecer o monastério que é a única atração da vila. É um monastério bem grande e naquele momento era hora dos monges fazerem suas preces. Senti muita tranquilidade naquele ambiente e uma sensação muito boa. À noite fez muito frio mas essa Tea House tinha aquecedor no salão de jantar. No dia seguinte seguimos para a vila de Dingboche (4.410 metros) onde ficamos por duas noite para aclimatização e mais um dia de “descanso”. Desde Namche a Raquel vinha sentindo os efeitos da altitude: dor de cabeça, náusea, perda de apetite. Nada muito generalizado: a dor de cabeça por exemplo passava quando ela tomava remédio, o que é um bom sinal de que não é o mal da altitude mas apenas efeitos colaterais. Mas como ela mesma disse: “tudo parece normal até que acontece com a gente”. O Jwala, nosso guia, sugeriu tomar sopa de alho para amenizar os efeitos ao invés de tomar qualquer remédio. Nessa noite até eu tomei uma sopa com noodles e muito, mas muito alho. E foi aqui que vimos que são muitos os casos de resgate de helicóptero por causa do mal da altitude. Nessa vila pelo menos 3 pessoas foram resgatadas para Katmandu naquele dia. Nada grave, é que o melhor e único remédio é descer para um lugar mais baixo o mais rápido possível. No dia de “descanso” subimos mais 400 metros e voltamos. Depois de descansar por um dia, no outro seguimos para Lobuche (4.910 metros). Foi mais um dia de muito esforço, muito sobe e desce e mais de 6 horas de caminhada. Eu estava me sentindo muito bem, seguindo as dicas do Jwala: beber, comer e dormir bem. E para não apressar a Raquel segui o caminho todo sempre no ritmo dela. Foram quatro dias bem puxados.


A caminho de Tengbuche
Mosteiro
As Montanhas
O Mosteiro
A caminho de Dengbuche
Maravilha
Dengebuche, de um lado...
... e do outro
Dia de descanso
Só curtindo

De Lobuche para Gorakshep e o Acampamento Base do Everest (de 4.910 para 5.140 e 5.364 metros)

Esse seria o dia mais difícil até agora: 8 horas de caminhada a mais de 5.000 metros de altura. De Lobuche caminhamos por 2,5 horas até Gorakshep. Saímos cedo e chegamos lá as 10:00. A Raquel já mostrava que estava quase no limite. Tomamos uma sopa e eu disse que poderíamos ficar ali, descansar e no outro dia iriamos para o Acampamento Base. Mas ela decidiu seguir para o Acampamento Base no mesmo dia. O caminho não é fácil: você vai serpenteando, subindo e descendo pedras e mais pedras por 2,5 horas somente para ir. Depois, mais 2,5 para voltar. Sabia que não seria moleza ainda mais para ela (até aquele momento eu não sabia que também estava quase no limite).

A caminho de Lonbuche
Um descanso para o Manish
Portal do Everest. Local das homenagem aos mortos na montanha.
Descansando
O Acampamento Base é um amontoado de pedras cheio de bandeirinhas coloridas no meio do glacial Khumbu que é coberto de outras pedras monstruosas. A grandiosidade do entorno impressiona: é o final do vale e início de algumas das principais e mais altas montanhas do mundo. É dali que os super-humanos malucos começam a escalada do Everest. Chegamos lá e depois de baixada a adrenalina, tirada todas as fotos, colocadas as bandeirinhas e olhado o entorno, me emocionei muito junto com a Raquel. Foi sem dúvida o lugar que mais me emocionou nessa e em outras viagens que fiz. Talvez tenha sido pelo sonho realizado, talvez pela espera de 3 anos, talvez pelo esforço de 8 dias de caminhada dura ou a combinação de tudo isso junto com a noção de nós parecíamos formiguinhas naquela imensidão toda. Mas não foi nada disso, quer dizer, nada disso foi o principal.


O Acampamento Base (no meio da foto, de baixo para cima, antes do branco do glacial). Ampliando dá pra ver.
O Acampamento (de perto)
Quando ainda estávamos no caminho, faltavam uns 30 minutos e já podíamos ver o acampamento, paramos para descansar um pouco e beber água e eu perguntei a Raquel se estava tudo bem. Ela disse que estava muito cansada e que não estava vendo graça nenhuma naquilo tudo. Sugeri então que voltássemos pois ainda tinha uma grande descida e outra subida e ainda tínhamos que voltar. Se ela tivesse decidido voltar, voltaria numa boa sem nenhum remorso por chegar tão perto e não ter ido realmente. Mas ela decidiu seguir. E estar lá com ela depois de tudo e abraça-la foi a faísca para tanta emoção, o resto foi combustível. Chorei lá, voltei chorando para Gorakshep e estou chorando agora enquanto escrevo. O Acampamento Base do Everest é o meu Everest, é o topo do meu mundo.

A Emoção
Ainda naquela noite decidimos não seguir para a região de Gokyo conforme planejado e iriamos voltar para Lukla pelo mesmo caminho. Não tínhamos forças para continuar pelo caminho mais longo nem razões suficientes para nos encorajar.

De Gorakshep para Katmandu (de 5.120 para 1.400 metros)

Uma das primeira coisa que se aprende quando se faz trekking é que chegar no seu objetivo é somente metade do caminho. A volta normalmente é do mesmo tamanho da ida e não é por que é morro abaixo que ela é tão mais fácil.

Depois de uma boa noite de sono apesar do frio de quase 0º dentro do quarto, acordei no outro dia e me dei conta do quanto cansado e exausto eu estava. Tinha dor de cabeça, náusea e perda de apetite. Exatamente no dia de começar a descer comecei a sentir os sintomas que a Raquel vinha sentido em toda a subida. Mas ainda tinha mais um coisa a fazer: subir no Kalapatar, uma montanha ao lado da vila de onde se tem a melhor vista do acampamento base e do Everest. O Kalapatar fica a 5.550 metros do nível do mar e 200 metros acima do acampamento base. Mas o dia amanheceu cheio de nuvens e não fazia sentido subir para não ver nada. O Kalapatar é como um prédio bem altar no meio de uma bela cidade: ele mesmo não é uma atração, a atração é a cidade e nós já tínhamos ido na cidade, andado por ela. Isso bastava.



Começamos a descer e depois de duas horas chegamos em Lobuche (4.910m) e eu não aguentava mais dar um só passo. A Raquel estava voltando a ficar melhor, o apetite voltava e o meu ia embora. Quase não comi no almoço e seguimos morro abaixo. Depois de quase 5 horas de caminhada chegamos a Pheriche (4.240m). Como descemos quase 1.000 metros a promessa era de melhora de todos os sintomas da altitude. E foi isso mesmo. Dormi quase 10 horas ininterruptas. Como tínhamos desistido de fazer o caminho mais longo para voltar, tínhamos tempo para fazer uma descida mais tranquila do que as outras pessoas que normalmente voltam em 3 dias. Nós voltamos em 5 dias. De Pheriche fomos para Tengboche (3.860m), a vila do monastério. Mas uma vez fui acompanhar as preces do monges e novamente me senti muito bem. É um ambiente de muita paz e tranquilidade. Depois voltamos para Namche (3.440m), onde realizamos nosso desejo de comer doce (comemos torta de maça e bolo de chocolate) e de tomar banho de novo. O último banho de verdade tinha sido exatamente aqui durante a subida há 8 dias atrás. Foram 8 dias tomando somente banho de gato. Bati meu recorde, para sempre. No outro dia descemos para Padking e depois Lukla onde ficamos aguardando o voo para Katmandu. Foram três dias praticamente descansando, andando em um ritmo bem lento sem presa para nada. Acho que batemos o recorde de lentidão para descer. Mas foi bom aproveitar um pouco mais da paisagem e da vida local que segue em um ritmo próprio e único. No Domingo voamos para Katmandu bem cedo e fiquei do avião olhando as montanhas, agora de longe, e tentando reviver, gravar, para nunca mais esquecer a experiência. Como se isso fosse possível.

Namaste.
Valeu.