Estamos em um ano sabático para conhecer o mundo e a nós mesmos. Para isso manteremos nossos olhos, mentes e corações atentos e abertos por onde estivermos. Toda semana faremos um relato do que passou e por onde passamos. Como tudo na vida tem dois lados, serão duas visões sobre os mesmos momentos.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Aviso aos Navegantes II

Caros,

Nosso próximo destino é a China e pelo que pesquisamos não será possível acessar redes sociais (certeza) e blogers (talvez seja possível). Só saberemos com certeza depois de chegarmos, mas talvez façamos a publicação apenas no blog. Caso o blog também não seja possível, faremos as publicações das próximas 4 semanas apenas no final do mês de Agosto ou início de Setembro quando for possível.

Até breve.

Lucio e Raquel

Uma semana na Coreia

Bom pessoal,

Estamos agora em Seoul mas passamos também por Busan e Gyeongju na Coreia do Sul. Começamos nossa visita por Busan, a segunda maior cidade da Coreia. Fica no suldeste e a apenas 3 horas de Jet Ferry (um barco que navega a 80km/h)  de Fukuoka no Japão. Agora em Seoul as coisas estão mais tranquilas, estamos mais adaptados, mas no começo foi um grande choque. Tivemos um choque de realidade. Mas a culpa não foi da Coreia, um pais de primeiro mundo, com 0% de analfabetismo, moderno, seguro, igual a muitos outros que fomos (Seoul é tudo isso, as outras nem tanto). A culpa do choque na verdade é do Japão que não é um país de primeiro mundo, é um país de outro mundo, um caso endêmico, só existe lá. O respeito pelo próximo e o cuidado com a coisa pública/coletiva é simplesmente impressionante. Desde a atendente de uma loja até o cara que trabalha na pista do aeroporto sinalizando para o avião estacionar, todos fazem aquela reverência quando você chega ou vai embora em sinal de respeito e agradecimento (no segundo caso a reverência é para o avião mesmo). E isso independe se alguem olha ou não, é quase sagrado. A sensasão que dá é que é mais forte que eles, é como se, caso não façam o universo vai passar a conspirar contra. Isso é Japão (como cansei de escutar da Raquel). E quando você sai do Japão pra qualquer outro lugar, ao virar a esquina, você leva um tempo pra se acostumar com a vida como ela é. Assim aconteceu comigo. Os dois primeiros dias na Coreia foram apenas para me acostumar com a realidade.

Busan é uma cidade grande, confusa, um pouco suja e com metro pra todo lado. Ficamos hospedados em uma região bem movimentada. De um lado da avenida tinha o mercado de peixe e do outro as lojas de departamento, restaurantes, barraquinhas, camelôs e ambulantes. O mercado de peixe é impressionante. A maior parte dos boxes vendem o peixe vivo e caso vocé queira comer na hora eles também providenciam. Você escolhe o peixe e eles preparam do jeito que você quiser: sashimi ou frito. E tem também todo tipo de frutos-do-mar, coisas que nunca tinha  visto antes, algumas bem esquisitas. No dia seguinte fomos conhecer as duas praias mais frequentadas da cidade mas são muito urbanas para serem bonitas. E o calor estava quase insuportável. Quase tão insuportável quanto a nossa dificuldade de encontrar um restaurante que se encaixasse nas nossas exigências: apresentável, com menu em inglês ou fotos e com comida coreana sem pimenta. E o bicho pegou nessa última. Simplesmente não existe essa opção. Aqui, a expressão "comida sem pimenta" tem outro significado. Nesse dia comemos hamburger.

Tumbas

Palácio
No dia seguinte fomos para Gyeongju, uma cidade histórica pouco visitada por estrangeiros. Aqui continuamos tendo dificuldades de comunicação e para comer. Visitamos antigos palácios, tumbas de reis e generais, jardins e tentamos conhecer uma vila tradicional fora da cidade mas não conseguimos. O guia falava para pegar determinados ônibus mas não informava onde descer. E pelo que vimos do ônibus teriámos que descer na rodovia, no meio do nada e andar até a vila. Não descemos e fomos parar na cidade vizinha no terminal de ônibus (o motorista do nosso ônibus depois de questionado como deveriamos fazer para voltar só consegui dizer change em inglês). Pegamos então outro ônibus pra voltar para a cidade. O passeio todo durou umas 3 horas de ônibus pra cima e pra baixo.

Palácio em Seoul


Vila Tradicional

Imperador e Familia Tradicional na Coreia
Finalmente no outro dia viemos para Seoul. E ai nossos problemas acabaram. Aqui existe comida coreana sem pimenta (ou quase), muita gente entende e consegue se comunicar em inglês e não faltam lugares para visitar. Seoul é uma cidade super-moderna, com grandes avenidas, limpa, com muitos parques e também muita história. E claro metrô para todo lado. A linha 1 (azul) do metrô tem nada menos que 65 estações e ainda existem mais umas 15 linhas. Acho que São Paulo toda não tem 65 estações de metrô. Visitamos os dois princiais palácios e os mais movimentados mercados. Parecida com São Paulo, aqui tem a Zé Paulino, a Santa Efigênia e o Braz (não esses nomes claro). Mas em cada lugar que você vai o que mais chama a atenção são as barraquinhas de comida de rua e elas são uma das principais atrações. Não precisa nem comer, só ver já é uma atração. Com comidas das mais variadas, para todos os gostos, bolsos e estômagos, todos os lugares estão sempre com muita gente se não lotados com fila de espera. Comer aqui é realmente uma grande aventura. Comi muito Bugolgi, carne fatiada bem fininha com verdura e arroz, às vezes cozida, às vezes grelhada mas sempre "quente". Isso era a comida sem pimenta que falei. Mas como estamos a quase 4 meses fora do Brasil sem comer carne vermelha, nos programamos para ir também a uma churrascaria brasileira em Seoul. Tem várias. Seguimos indicações da internet e fomos para uma das melhores. Mas ela não existia mais. A informação era de 2012. Fomos então no Outback e lá tinha um prato brasileiríssimo: picanha como banana frita, abacaxi e tomate. A carne era tão macia que até disconfiei se era picanha mas o melhor mesmo foi comer banana frita meio caramelizada, perfeita. Matei quem tava me matando. Comemos também o churrasquinho coreano, outra obrigação para quem visita a Coreia.

Valeu.

As mulheres coreanas

Pelas terras que andei, não me lembro de ter visto a mulher como força de trabalho predominante no dia a dia. Em geral são homens, quando muito, homens e mulheres de forma proporcional, e na maioria das vezes, as mulheres em atividades de backoffice. Mas na Coréia do Sul, quem está no front, dando a cara pra bater, trabalhando duro, o dia todo, fazendo de tudo, vendendo, atendendo, cozinhando, limpando peixe, carregando peso, preparando kimchi, são elas, as incríveis senhoras coreanas. Facilmente reconhecidas, tem em média 1,50 metros, são “fortinhas”, tem cabelo curto, enrolado, usam roupas coloridas e obrigatoriamente viseiras. Autenticas, parecem ser fortes, determinadas, sofridas e femininas. Todas usam maquiagem. Mas nem por isso são “ladies”, ocupam muito bem o seu espaço e não deixam ninguém passar na frente, seja na sua barraquinha  ou no metro. Em Seoul, elas dividem espaço com os homens, tornando a proporção mais igual, mas elas continuam lá, batalhadoras, com a única diferença de que saem as viseiras e entram as plásticas obrigatórias. Observá-las e imaginar que por trás dessa força tem uma história de sacrifícios que resultou na rápida ascensão da Coreia, onde essa geração foi sacrificada para que as próximas pudessem estudar e ter melhores condições, foi o destaque da Coreia. Fantástico.

Aliás o povo coreano é interessantíssimo. Eles parecem novos ricos, são deslumbrados, coloridos e barulhentos. Menos reservados do que os japoneses, eles tentam interagir, mesmo que em coreano, e sorriem mais. Parecem mais despachados, não tanto ligados às regras, vão dando o seu jeitinho em uma cultura mais ocidentalizada.

Depois de passar pelo “planeta Japão”, qualquer país do “planeta Terra” causa um certo choque ao nos lembrar que algumas coisas existem, como lixo, mendigos, trânsito e buzina.  Fizemos essa re-adaptação em duas cidades do interior da Coreia, onde tivemos dificuldade de comunicação e, pela primeira vez, de comida. Nossas restrições eram: tem que ter foto ou qualquer coisa em inglês (vejam que é um ou outro, nem precisa ser os dois), precisa ter pelo menos um prato que não leva pimenta e tem que ter uma carinha apresentável (e olha que deixamos de ser exigentes faz tempo). Pronto, isso reduziu para 10% nossas possibilidades de restaurantes. Fiquei irritada com o tempo que perdíamos procurando um lugar para comer, irritada com o porquê não estávamos conseguindo nos acostumar com a comida, irritada com a dificuldade de comunicação, irritada em saber que daqui pra frente a situação vai ser assim pra mais difícil. A irritação passou depois de 4 dias, quando chegamos em Seoul, aí sim, cidade grande, mais estruturada, mais informação, conseguimos nos situar e entrar na vibe coreana.

Passamos uma semana na Coreia, conhecendo Busan, Gyeongyu e Seoul. Em Busan conhecemos o famoso mercado de peixe onde se vê todas as criaturas marinhas, vivas ou mortas, de todos os tamanhos. Algumas barracas tem um restaurante anexo onde se pode escolher a criatura viva no aquário e o modo de preparo. O peixe vai quase se mexendo ainda para a mesa. E eu achando que só no Japão se comia peixe freso... Visitamos também as 2 praias mais famosas da cidade e andamos pelas ruas do centro comercial, cheias de lojas e camelôs vendendo de tudo, mas principalmente roupas esportivas bem coloridas.

Jagalchi Market

Gwangalli Beach

Gukje Market

De lá fomos para Gyeongyu, cidade que guarda a história da dinastia Silla, cheia de templos e vilas antigas. Quase todas as atrções  são reconstruídas após as inúmeras guerras que o país já passou, mas nem por isso tiram sua importância e beleza. O que se destaca são as tumbas dos reis e membros da família real que são como pirâmides de grama. Os corpos eram colocados em uma câmara de madeira junto com seus pertences e por cima colocavam pedras e uma coberta de grama, formando montinhos por toda a cidade. 

Daerengwon Royal Tombs

Visitamos o Palácio Anapji, fantástico com seu jardim e o jogo de luzes dourado dando um ar de riqueza e prosperidade. 

Palácio Anapji

A cidade também guarda vários patrimônios da Unesco, sendo dois deles o Templo Bulguksa e o Buda Seokguram Grotto, todo de mármore no alto de uma montanha. 

Nós 2 no jardim do Templo Bulguksa

O último programa do dia era conhecer uma vila que ainda mantém as características e os costumes antigos. A informação do guia era fácil, poderia tomar um dos 8 ônibus relacionados que se chegaria no local. O guia só esqueceu de falar que a vila ficava a uns 30 Km do centro da cidade, que teria que pegar estrada, que o ponto era na estrada, que ninguém falava inglês, que ninguém lia em romano e que, caso você perdesse o ponto da vila, o ponto final seria no fim do mundo e mais um pouco. Pois é, descobrimos tudo isso, fomos até o ponto final, trocamos de ônibus e voltamos para o centro da cidade sem ter visto a vila.

A última cidade que passamos foi Seoul. Cidade fácil, cheia de informações turísticas e cheia de turistas. Visitamos o principal palácio da cidade, Gyeongbokgung, e até aqui os coreanos são mais coloridos, nota-se cores em todos os detalhes do castelo. A troca da guarda é um espetáculo, são uns 6 guardas em cada turno, com vestimentas da época nas cores azul, vermelho e amarelo, quebrando aquela formalidade que vemos nas guardas dos palácios. 

Palácio e os detalhes coloridos

Visitamos uma vila antiga que ainda tem moradores, as casas são grandes e bem conservadas, na verdade nem parece tão antiga assim. 

Nós 2 na Bukchon Hanok Village

Mas o melhor de Seoul são os mercados, de comida, de roupas (parece a José Paulino), de tranqueiras, vendendo de tudo, de tudo que é jeito, de lojas bem chiques aos famosos camelôs.

No final, acabamos nos acostumando com a comida, variando entre o Bilimbap (arroz com legumes, carne e ovo) e o Bulgogi (carne fatiada fininha, marinada, que pode ser ensopada ou grelhada). Claro que o Kimchi (acelga apimentada que passa por um processo de fermentação) e seus derivados apimentados sempre estavam presentes, dando sabor à comida. É verdade que em uma noite decidimos abrir nosso “caixa 2” de novo e, dessa vez, era pra matar saudades da nossa comida brasileira. Pesquisamos e fomos atrás de uma das melhores churrascarias de Seoul. Depois de uma caminhada de 50 minutos descobrimos que ela havia sido fechada. Nos restou o Outback, artigo de luxo na nossa viagem, e lá eles estavam com um cardápio especial latino. Pudemos comer nossa picanha mal passada!!! No dia seguinte voltamos para os Bilimbap e Bulgogi.

Bulgogi na chapa e acompanhamentos

País que entrou no nosso roteiro simplesmente por estar entre o Japão e a China e que serviu de uma passagem gradual para o mundo que nos aguarda. Me surpreendi pela história de guerra e superação e fui conquistada pelo povo, pela força dos mais velhos e pela leveza dos mais jovens. Valeu a viagem. Fantástico.